Thriller político fascinante com James Norton e Vanessa Kirby, indicado a 13 prêmios, que está na Netflix Divulgação / Koch Films

Thriller político fascinante com James Norton e Vanessa Kirby, indicado a 13 prêmios, que está na Netflix

Agnieszka Holland, diretora conhecida por trabalhos como “Filhos da Guerra”, “Na Escuridão” e episódios de “House of Cards”, é uma cineasta polonesa com uma abordagem voltada para temas políticos e históricos. Seu filme “A Sombra de Stalin” explora a vida de Gareth Jones, um jornalista britânico que se aventurou pela União Soviética para revelar segredos sombrios do regime de Joseph Stalin. O roteiro, escrito por Andrea Chalupa, baseia-se em eventos reais que, embora distantes, continuam a influenciar as dinâmicas políticas globais, especialmente no contexto da recente invasão russa à Ucrânia.

Vladimir Putin, que há décadas lidera a Rússia, recentemente ordenou a invasão da Ucrânia, com a pretensão de restaurar uma visão nostálgica e idealizada do nacionalismo grão-russo, reminiscentes dos tempos de Stalin. Enquanto Adolf Hitler orquestrava o genocídio de milhões de judeus na Alemanha nazista, Stalin também foi responsável pela morte de milhões de ucranianos durante o Holodomor — uma fome devastadora causada por políticas agrícolas desastrosas. É crucial notar, no entanto, que enquanto o nazismo promovia um extermínio sistemático, o Holodomor, embora igualmente mortal, foi uma crise de fome massiva.

A perspectiva ocidental sobre a União Soviética é cuidadosamente desenhada por Holland, que coloca o jornalista Gareth Jones, interpretado por James Norton, no centro da narrativa. Jones, que anteriormente havia trabalhado como conselheiro para o primeiro-ministro britânico David Lloyd George, decide viajar a Moscou como repórter independente. Sua missão é clara: conseguir uma entrevista com Stalin para entender melhor o aparente milagre econômico soviético. Antes dessa jornada, Jones foi ridicularizado ao sugerir, em uma reunião política em Londres, que Adolf Hitler estava planejando uma guerra — previsão que se revelou tristemente precisa.

Na busca pela verdade, Jones segue o rastro do sucesso econômico soviético até a Ucrânia, onde testemunha a calamidade do Holodomor. A fome, provocada pela política soviética de confiscação de grãos, resultou na morte de milhões de pessoas, enquanto aqueles que não podiam pagar suas dívidas eram deportados ou executados.

O tom do filme muda drasticamente quando Jones chega à Ucrânia. A fotografia, inicialmente vibrante, torna-se cada vez mais monocromática, refletindo a gravidade do que ele encontra. Em uma cena especialmente poderosa, Jones, dentro de um trem, tira uma mexerica de sua bolsa. Os olhares famintos dos passageiros, compostos majoritariamente por mulheres, crianças e idosos, se voltam para ele, revelando a fome desesperadora que os aflige. Embora ninguém ouse atacá-lo, a imagem dos passageiros disputando as cascas da fruta jogadas no chão é perturbadora.

Consciente do rigor do inverno soviético, Jones tenta comprar um casaco de um dos passageiros, oferecendo dinheiro em troca. A resposta que recebe é contundente: o dinheiro não tem valor ali, mas pão, sim. Sem hesitar, Jones troca um pedaço de pão pelo casaco, um pequeno gesto que sublinha a desesperança da situação.

À medida que avança em sua jornada, Jones é confrontado por cenas de morte e desolação. Cadáveres espalhados pela neve se tornam obstáculos banais em seu caminho, destacando a brutalidade naturalizada do Holodomor. Em uma cena impactante, um homem, ao transportar corpos em um carrinho, joga um bebê ainda vivo sobre o monte de cadáveres, planejando enterrá-lo junto com os mortos. Jones, atordoado, observa o horror que o cerca, incluindo crianças que, em um ato de desespero, cozinham e consomem os restos mortais de seus próprios irmãos.

A situação se agrava quando Jones percebe que sua própria vida está em perigo. A presença opressora de Stalin é sentida a cada momento, como uma sombra constante. Apesar dos riscos, Jones consegue escapar da União Soviética e publicar seu relato devastador sobre a economia russa, construída sobre um imenso cemitério de vidas perdidas. Contudo, sua vitória foi curta; em 1935, pouco antes de completar 30 anos, Jones foi assassinado por um agente soviético disfarçado.

“A Sombra de Stalin”, na Netflix, não só lança um olhar sobre o Holodomor, um genocídio frequentemente esquecido, como também explora a complexa guerra de narrativas. Gareth Jones, um jornalista comprometido com a verdade, enfrenta uma batalha contra Walter Duranty, correspondente do The New York Times na Rússia, que negou veementemente as descobertas de Jones e manipulou a percepção pública, ofuscando a verdade sobre o que realmente acontecia na União Soviética.

Filme: A Sombra de Stalin
Direção: Agnieszka Holland
Ano: 2019
Gênero: Suspense/Drama/Biografia
Nota: 9/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.