Baseado na obra-prima de Hermann Hesse, suspense dramático na Netflix vai dar um nó em seu cérebro Divulgação / Focus Features

Baseado na obra-prima de Hermann Hesse, suspense dramático na Netflix vai dar um nó em seu cérebro

Em dezembro de 1945, Nelson Rodrigues (1912-1980) trouxe à luz “Álbum de Família”, uma de suas obras mais controversas e incompreendidas, a ponto de ser mantida longe dos palcos pela censura até 1967. Ironicamente, essa liberação ocorreu durante uma ditadura militar, refletindo as contradições da época. A peça narra a história de Nonô, que sucumbe ao desejo incestuoso de sua mãe, dona Senhorinha, e enlouquece, correndo nu pelos arredores da fazenda em um delírio de culpa e sofrimento, até que a tragédia finalmente consuma a vida de todos os envolvidos.

Não é por acaso que “O Lobo”, uma alegoria dirigida por Nathalie Biancheri, traça paralelos ao explorar os conflitos internos dos adolescentes em busca de sua identidade. A diretora mergulha na complexidade da disforia de espécie, uma condição mental pouco compreendida, onde o indivíduo acredita ser um animal, muitas vezes uma fera, como resposta a traumas reprimidos que se recusam a emergir à superfície da consciência.

Em meio à constante pressão para se destacar em uma sociedade que idolatra o extraordinário e o fabuloso, a verdade é que a maioria de nós anseia por uma vida tranquila, rotineira e até previsível. Quando finalmente alcançamos esse estado de serenidade, onde as ilusões se dissipam e as neuroses parecem evaporar como o orvalho ao sol nascente, é que a esperança de uma felicidade possível renasce. Esta felicidade, por vezes tão arduamente perseguida, frequentemente nos escapa por entre os dedos, como se algum detalhe sombrio dentro de nós próprios nos fizesse acreditar que não a merecemos.

A existência, por sua vez, desgasta-se naturalmente, em um processo que segue adiante, quer estejamos preparados ou não. Cada indivíduo, então, deve enfrentar seu próprio luto e suas batalhas, buscando nas diferentes trilhas da vida a tão almejada realização, seja ela grandiosa ou modesta. A jornada da vida, com suas luzes e sombras, é um ciclo incessante de contrastes e paradoxos, onde cada passo nos leva por labirintos internos cada vez mais estreitos, refletindo nossas limitações humanas. Nesse contexto, o espírito humano, capaz de abrigar todos os sonhos do mundo, é também o receptáculo das amarguras e das falhas que corroem o mundo em que vivemos, muito além do que nossa compreensão superficial pode alcançar.

Para Jacob, o protagonista interpretado por George MacKay, essa miséria humana se manifesta na necessidade de esconder sua essência bovina sob a pele de um lobo, até que a oportunidade de cura surge, levando-o a um novo conflito interno: retomar sua humanidade. MacKay, um dos talentos mais promissores de sua geração, dá vida a esse dilema, enriquecido pelo roteiro de Biancheri, que ecoa as excentricidades vistas em “O Lagosta” (2015) de Yorgos Lanthimos.

O romance potencial entre seu personagem e o de Lily-Rose Depp, significativamente chamada de Wildcat, traz à tona a intolerância — uma realidade cada vez mais evidente em nossos dias. O filme, através de suas personagens, faz um alerta claro: embora muitos celebrem suas próprias peculiaridades, poucos suportam a diferença do outro, transformando a intolerância em um dos maiores desafios de nossa convivência moderna.


Filme: O Lobo
Direção: Nathalie Biancheri
Ano: 2021
Gêneros: Thriller/Mistério
Nota: 8/10