É impossível não assistir a filmes como “A Queda” e não achar-se o mais esperto dos homens. A pletora de situações absurdas vividas pelas personagens do terror psicológico de Scott Mann — por uma mais do que pela outra, que se diga — fica parecendo uma homenagem que o diretor presta à maioria da humanidade dita “normal“, que prefere uma roda de conversa com amigos ao cair da noite de sexta-feira, de preferência em volta de uma mesa bem guarnecida de aperitivos e tira-gostos, a abalar-se para um cafundó qualquer a fim de explorar o mundo selvagem, ou qualquer baboseira do gênero.
Aqui, é ainda pior: duas garotas decidem, como quem entra numa livraria pouco antes da sessão de cinema, escalar a Torre da KVLY-TV, a B-67, um espigão de ferro comido pela oxidação na Dakota do Norte, outrora usada pelo canal 11 da estação KVLY-TV de Fargo, e, com a licença do trocadilho, o céu é o limite para um amálgama de loucura, provações, abusos e escatologia, que provoca aborrecimento, indignação, piedade e repulsa. Mann e o corroteirista Jonathan Frank conduzem o espectador por um passeio pelo que pode haver de mais estúpido na natureza humana, amparando-se em performances bem acima do chão.
Pelo prólogo, tem-se a impressão de que se está diante de algo parecido com “Skywalkers: A Love Story” (2024), o registro de Jeff Zimbalist e Maria Bukhonina acerca dos moscovitas Angela Nikolau e Ivan Beerkus, dois alpinistas urbanos contemporâneos equilibrando-se entre a vaidade e o desejo de fazer algo grandioso, tentando a todo custo fugir do melancólico estado de arqueólogos de sua própria história, cascavilhando suas miudezas em busca de qualquer lembrança que os faça ter certeza de que o tempo não corre em vão. Aos poucos, nota-se que a situação de Becky Connor é ainda mais delicada.
Depois de perder Dan, um trabalho de fibra de Mason Gooding, Becky entrega-se a uma depressão incapacitante a ponto de fazê-la virar a noite enchendo a cara para, ao cabo de longas horas, tomar coragem e telefonar para o finado marido, apenas para ouvir a voz na caixa de mensagem. Pode acreditar: esse comportamento autodestrutivo é menos prejudicial do que acontece algumas cenas, quando a moça aceita a proposta de Shiloh Hunter, sua melhor amiga, de lançar as cinzas de Dan do alto da B-67, a quarta maior estrutura dos Estados Unidos, interditada, mas até hoje um chamariz para suicidas em potencial e lunáticos de toda sorte.
Por dois terços do filme, Grace Caroline Currey e Virginia Gardner elaboram todos os planos imagináveis para escapar do inferno na torre a que se lançaram sem que ninguém mandasse, o que obriga Becky a subir mais dez metros (“que parecem mil”, reconhece Hunter, num raro gesto de lucidez e grandeza) para recarregar o drone nos pinos da lâmpada de alerta da construção, a fim de que possam enviar um pedido de socorro e tenham alguma chance de se salvar — se houver um engenheiro eletrônico que me possa esclarecer se isso é possível, ficarei agradecido —, e destrinchar um urubu como se fosse uma suculenta ave natalina. Um certo pesadelo da heroína de Currey salva o enredo do desastre irremediável, mas passe longe se você, como eu, sofrer de acrofobia.
Filme: A Queda
Direção: Scott Mann
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Suspense/Terror psicológico
Nota: 7/10