Em algum momento, todos nós nos vemos diante da necessidade de encarar a nós mesmos, um encontro inevitável, ainda que nem sempre bem-vindo. Muitas vezes, essa reflexão se materializa em frente ao espelho, quando, após um suspiro profundo, buscamos a força necessária para responder àquela pergunta crucial: “O que eu realmente desejo para minha vida?”.
Para atores, especialmente aqueles que ingressaram na profissão ainda na juventude, essa questão é não apenas inevitável, mas urgente. A resposta precisa ser firme, pois anos de dedicação podem ser perdidos se a dúvida prevalecer. A pressão é amplificada pela constante vigilância dos críticos, sempre prontos a julgar com rigor. Para Timothée Chalamet, que começou sua carreira cedo, esse questionamento certamente se fez presente, e seu reflexo no espelho não deve ter mentido sobre as expectativas que recaíam sobre seus ombros.
No entanto, Chalamet é muito mais que um rosto bonito. Sua filmografia extensa demonstra uma versatilidade e profundidade que vão além da superfície. Em “O Rei” (2019), dirigido por David Michôd e coescrito por Michôd e Joel Edgerton, ele assume o papel do monarca inglês em uma interpretação que destaca tanto sua nobreza quanto sua humanidade. A obra se baseia nas peças históricas de William Shakespeare sobre o reinado de Henrique V, e Chalamet, com sua presença marcante, traz à vida uma versão mais refinada e harmônica do rei medieval, mesmo que as condições daquela época fossem tudo menos glamorosas.
Henrique V, como sabemos, teve uma vida breve e marcada por desafios imensos, algo que Chalamet consegue transmitir com sutileza e intensidade. Embora o rei real tenha enfrentado doenças e a brutalidade da guerra, Chalamet nos oferece uma figura digna, que equilibra as demandas de liderança com compaixão e sabedoria. Seu retrato do rei é um de força contida, muito diferente do príncipe trágico Hamlet, que sucumbe às suas próprias dúvidas. Aqui, o jovem monarca é um líder equilibrado, atento tanto aos seus aliados quanto aos seus adversários, mesmo em meio à lama da Guerra dos Cem Anos. Michôd captura essa complexidade com uma direção precisa, especialmente nas cenas de batalha, onde a coreografia realista ressalta a brutalidade da época.
O filme, apesar de sua base histórica, opta por um inglês mais contemporâneo, afastando-se do formalismo elisabetano de Shakespeare. Isso confere uma acessibilidade à narrativa, sem sacrificar a gravidade das situações. Joel Edgerton, além de coautor, brilha no papel de Falstaff, um conselheiro leal a Henrique V. Contudo, Robert Pattinson, interpretando o delfim francês, deixa a desejar, com uma performance que se aproxima do caricato.
Em resumo, Timothée Chalamet é o verdadeiro destaque de “O Rei”. Assim como em “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017), de Luca Guadagnino, sua atuação aqui marca um novo capítulo em sua carreira. No entanto, agora ele não é mais o jovem inseguro, mas sim um ator maduro, capaz de enfrentar os desafios que papéis complexos como este exigem. Chalamet continua a surpreender e impressionar, consolidando-se como uma das grandes promessas de sua geração, como evidencia sua performance em “Duna” (2021), de Denis Villeneuve.
Filme: O Rei
Direção: David Michôd
Ano: 2019
Gêneros: Filme histórico
Nota: 9/10