“Kissufim” foi gravado antes dos ataques terroristas do Hamas à Faixa de Gaza, em 7 de outubro de 2023. Conhecido entre a população local por Sábado Sangrento, o atentado terminou com a chacina imediata de 1.200 civis, e, dez meses depois, ainda banha de vermelho o chão daquele território sem lei na costa leste do Mar Mediterrâneo, ladeado por Egito e Israel. Em 41 quilômetros de comprimento por de 6 a 12 de largura, o que totaliza uma área de 365 quilômetros quadrados, floresce o ódio sobre o qual a diretora Keren Nechmad se debruça numa história de ficção que, por uma ironia macabra, torna-se prenúncio de mais um capítulo da interminável barbárie israelo-palestina no Oriente Médio.
Nascida em Tel Aviv, Nechmad sabe do que fala. Seu roteiro, coassinado por Hadar Arazi e Yonatan Bar-Ilan, não faz nenhuma menção direta aos atentados promovidos por extremistas islâmicos da Al-Qaeda, fundada e gerida com mão de ferro pelo saudita Osama bin Laden (1957-2011), em 11 de setembro de 2001, mas é impossível entender “Kissufim” sem que se observem os detalhes perturbadoramente reveladores do primeiro evento, ainda fonte de uma inconfessável aversão da comunidade internacional quanto aos habitantes daquela região que ainda guarda tantos mistérios a serem decifrados enquanto inocentes pagam com a vida a conveniente falta de entendimento entre os dois grupos.
Reproduzir como produto cultural histórias que atravessam os séculos sem prejuízo do interesse de plateias as mais incompatíveis, nunca é uma decisão sem risco. A questão começa a tocar as raias da insanidade se um filme obstina-se e se alonga sobre um assunto hermético, delicado, complexo demais mesmo para aqueles que dominam o tema ou apenas sentem-se mexidos por ele. Nechmad foge da armadilha humanizando a querela, dando-lhe nomes e rostos e levando-a para um distante 1977, ano em que Anwar Sadat (1918-1981), o então presidente do Egito, visitou Jerusalém certo de que emplacaria o processo de paz árabe-israelense. Como se sabe, este continua sendo um ideal no quimérico terreno das vãs possibilidades, e a diretora prefere se concentrar em Eli, a jovem soldado vivida por Swell Ariel Or, servindo em Kissufim, a comunidade agrária coletiva no noroeste do deserto de Negev, em Israel. O modo como Nechmad põe nos grandes olhos da protagonista as esperanças de um povo, ao que a fotografia de Ram Shweky dá merecida ênfase, é decerto o melhor num filme triste e bonito, acerca de uma das trinta as zonas de guerra no mundo hoje. O Oriente Médio é só mais uma.
Filme: Kissufim
Direção: Keren Nechmad
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Guerra
Nota: 9/10