“Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.” Mantendo a boa e velha putice, o eterno e pervertido Nelson Rodrigues teve que colocar o funil do sexo para preservar sua identidade. A bem da verdade, no entanto, se todos conhecessem a intimidade — sexual ou não — uns dos outros, provavelmente a máxima ainda assim seria verdadeira.
Como são incríveis tantas pessoas que não conhecemos bem! Como são cultas, divertidas e sofisticadas! Como sabem ponderar as palavras, contornar as peripécias e enfrentar as trampolinices do dia a dia, tirando lições de moral de cada buraco enlameado cavado pelo destino. Incrível como deslizam entre trunfos e triunfos, sempre notáveis, vestindo suas vidas apropriadas e absolutamente adequadas…
Mas… é curioso como alguma coisa misteriosa acontece quando as conhecemos de perto. Interessante como o véu da fantasia escorre pelos olhos, ombros, braços, quadris e pernas, até que finalmente toca o chão, deixando perplexo quem o encara. Faz-se então o surdo som da realidade. Fatal. Cruel. O surdo som que desmente o que se cria em mentes viciadas na hipérbole.
É uma pena reconhecer, mas ninguém é incrível, porque ser é permanência e o ser humano — “estar” humano? — é um poço de oscilação. O verbo que menos se comunica conosco é “ser” e talvez seja essa a razão pela qual tanto o estudamos, em todas as línguas. Somos nada. Nunca seremos nada. E por isso moram nas almas todos os sonhos do mundo, afinal.
O véu da realidade apenas desnuda o que, no fundo, já se sabe sobre o homem: sua grandiosa capacidade de ser ordinário. Sejamos honestos: somos todos ordinários. Ao fantasiar a grandeza dos outros, projeta-se-lhes um anseio individual pelo sublime, uma imensa vontade de pairar sobre a humanidade em todo o seu minguado valor. “Ser incrível”, porém, é apenas estar por um segundo; acertar algumas vezes na escolha das palavras, na expressão de rosto, na piadinha inteligente, na conversa sobre o que se conhece bem…
É fácil demais ver na grama do vizinho fonte de admiração eterna, porque quem olha não rega aquele verde todo dia. Não sabe que, entre folha e terra, mora a mesma colônia de obscuros bichos que em todo gramado há. Na grama, há momentos de glória, quando o sol bate anguloso, mas à noite os bichos tomam conta. Sempre.
“Nosso século tem grandiosidade e tragédia. Só nossa vida é fuleira”, pensou Paulo Francis. Num lapso de luz, o pensador esteve incrível em uma frase. Qualquer coisa é grandiosa quando se lança sobre ela um olhar canino pela glória. E falou em glória, parceiro, é só chamar o homem que ele aparece ali edaz. Perto dessa luz inventada, projetada, distorcida, todo o resto é fuleiragem.
O título é uma livre adaptação de uma frase de Millôr Fernandes