William Shakespeare (1564-1616) está para o amor como Abraham Lincoln (1809-1865) está para a defesa dos direitos civis. Feita a comparação, pode-se dizer que “Pulando a Vassoura” junta as duas ideias da maneira mais agradável que consegue, isto é, com muito humor, alguma referência politicamente incorreta e, o principal, sem subestimar a inteligência de quem assiste. Salim Akil tira da cartola um enredo que tem a pretensão de abordar temas os mais espinhosos sem carregar nas tintas do drama, no máximo pincelando um ou outro diálogo choroso, que logo cede espaço a piadas que caem como uma luva na boca dos personagens, anfitriões e convidados de um casamento marcado por diferenças quase intransponíveis.
Chaga das mais nefastamente profundas da história da civilização, a escravatura alongou-se pelos anos, em quase todos os rincões do globo, pela ação implacável de homens maus e a leniência pusilânime dos homens bons, e residia aí seu maior capital. Se de quando em quando, alguns fatos históricos tornam-se alvo do escrutínio público de pesquisadores e artistas depois que vêm a lume dúvidas até então relegadas ao silêncio quase eterno do passado, outros permanecem mergulhados em incerteza, deixando-se banhar pela luz do sol da verdade só pelo lado em que a lenda não mais os alcança, tanto pela importância do que escondem como pela dificuldade de enxergá-los com os olhos da nossa pós-modernidade. O ano de 1619 marca o começo do negócio de importação de negros escravizados nos Estados Unidos, para a então colônia da Virgínia, estabelecendo, para fins acadêmicos e de localização histórica, o marco zero do sistema escravocrata como instituição legal.
A escravidão em território americano resistiu por 246 anos, sobrepujando, inclusive, o movimento pela independência, entre 1774 e 1776, quando as tropas emancipatórias lideradas por George Washington (1732-1799) levaram a melhor nos enfrentamentos contra a Inglaterra, sua metrópole desde 1607. Ironicamente, o processo de colonização dos Estados Unidos pela matriz inglesa deu-se justo pela Virgínia, de onde o domínio britânico se espalhou por todo o país com o êxodo maciço de colonos — mormente os puritanos — a partir de 1620. Os Estados Unidos tornaram-se uma nação autônoma em 4 de julho de 1776, livrando-se da subjugação de um reino que, assumidamente, enxergava-lhe tão somente como a providencial fornecedora de recursos naturais para uma ilha de dimensões ridiculamente menores, em que a exígua faixa de solo cultivável era obrigada a sujeitar-se às intempéries de um clima hostil.
Sabrina Watson é uma mulher cuja beleza parece repelir os homens — os sérios, pelo menos. Muito da graça do roteiro de Arlene Gibbs e Elizabeth Hunter materializa na performance de Paula Patton, que consegue imprimir equilíbrio a tristeza inicial de Sabrina, até que ela conheça seu príncipe encantado, do jeito mais improvável. Depois de cinco meses, quando tudo está tomando um rumo quiçá definitivo, ela comunica-lhe que pretende aceitar a proposta de ir para a China a trabalho, e para sua surpresa, ao fim de algum suspense, Jason Taylor, o tal homem dos seus sonhos, quer ir junto. Entre esses dois momentos, Akil recheia seu filme de sequências em que as respectivas famílias, ambas negras, não se entendem e alfinetam-se, movidas por preconceitos de classe. Antes, já na propriedade dos Watson em Martha’s Vineyard, uma ilha de Massachusetts onde os Obama passam o verão, perto da velha residência dos Kennedy, Shonda, a melhor amiga da senhora Taylor vivida por Loretta Devine, elabora uma interessante teoria sobre a riqueza de gente como os pais de Sabrina, estritamente ligada ao bidê.
O diretor guarda para a undécima hora o porquê do título, revelando também um segredo sobre a verdadeira identidade de Sabrina. Ao lado de Patton, Laz Alonso também mostra serviço, ainda que esta seja uma trama acerca de mulheres, para mulheres.
Filme: Pulando a Vassoura
Direção: Salim Akil
Ano: 2011
Gêneros: Comédia/Romance/Drama
Nota: 8/10