Embora Guillermo del Toro não assuma a direção de nenhum dos oito episódios que compõem “Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro”, sua presença inconfundível permeia cada narrativa de terror fantástico, conduzindo o espectador por uma jornada metafísica e alucinante, repleta de revelações perturbadoras e encontros com personagens grotescos, exóticos e miseráveis.
Estes elementos têm se consolidado como a marca registrada de uma carreira que, com destreza, evita qualquer traço de obviedade. Para reforçar essa ligação entre o mestre e sua obra, Del Toro apresenta pessoalmente cada curta, oferecendo uma introdução concisa antes de nos imergir em uma escuridão densa, onde as tramas superam qualquer expectativa inicial, destacando com reverência o nome de cada diretor envolvido.
“Gabinete de Curiosidades” explora situações que, à primeira vista, parecem corriqueiras, mas que rapidamente descambam para o pânico e o caos, protagonizadas por monstros inesperados e vilões que subvertem todas as noções de moralidade. Esse é outro aspecto distintivo dos trabalhos de Del Toro. Em quase quatro décadas de carreira, o cineasta mexicano ascendeu ao panteão dos grandes diretores de Hollywood com elegância e confiança, sem desmerecer seus contemporâneos, mas sempre seguro de seu talento e da mensagem que deseja transmitir.
Hoje, ao mencionarmos Del Toro, imediatamente evocamos narrativas que expõem a hipocrisia e a estupidez daqueles que ostentam suas virtudes e boas intenções, reduzindo tudo a meras camadas de um verniz frágil, que mal esconde a perversão inerente às emoções calculadas. É nesse contexto que esta coleção de histórias, produzida pela Netflix, exibe uma força fascinante e irresistível.
É intrigante que “Gabinete de Curiosidades” tenha demorado tanto para receber a atenção que merece. O episódio de estreia, “Lote 36”, serve como um aperitivo delicioso, incitando a curiosidade para os sete contos seguintes, que só melhoram a cada passo. Assim como em “A Incrível História de Henry Sugar e Outros 3 Contos” (2024), uma antologia de curtas baseada na obra de Roald Dahl e também distribuída pela Netflix, o episódio inicial apresenta uma história que vai além do aparente, guardando surpresas reveladas apenas no momento certo.
Dirigido por Guillermo Navarro, “Lote 36” narra a vida de um homem que, à semelhança do avarento de Molière, acumula objetos com um valor que pode transcender o sentimental. Quando ele falece, seus pertences são armazenados em um depósito administrado de forma duvidosa por um veterano de guerra, interpretado por Demetrius Grosse. O novo dono, Nick Appleton, seguindo seu instinto, descobre uma mesa mediúnica que o leva a um livro místico, cujo valor pode chegar a trezentos mil dólares, caso alguém consiga removê-lo de seu esconderijo.
Tim Blake Nelson, com sua habitual expressão austera e silhueta esquelética, destaca-se no papel desse homem mesquinho, preparando o terreno para “Ratos de Cemitério”, dirigido por Vincenzo Natali, que se destaca como o melhor da coleção, equilibrando habilmente tecnologia e a inconfundível esquisitice que caracteriza as obras de Del Toro. Só assistindo para compreender plenamente.
Filme: O Gabinete de Curiosidades de Guillermo Del Toro
Criação: Guillermo Del Toro
Ano: 2022
Gêneros: Terror/Fantasia/Drama/Mistério
Nota: 10