“Manobra Arriscada” reúne boa parte dos chavões de muitos dos filmes sobre garotos perdidos tentando encontrar-se com a ajuda de seu amor por máquinas de duas rodas, tudo levado por nomes de destaque nas séries que tomaram conta das plataformas de streaming, onde acabaram virando fenômenos de audiência. O primeiro caso é o de K.J. Apa, que raspou a cabeleira ruiva do Archie Andrews de “Riverdale” (2017-2023) e no filme de Kelly Blatz passou a encarnar Wes Neal, um ex-fuzileiro naval caído em desgraça que resolve procurar o pai que jamais conheceu e, surpresa!, ele também é um tipo desajustado, louco por velocidade e barulho em motocas envenenadas.
Em sua segunda incursão como diretor, Blatz tem jogo de cintura para valer-se de imagens bastante gastas e tirar delas sua ideia do que seja a luta de um homem por conhecer a própria história. Num primeiro instante, seu texto dá ênfase à agonia de Wes, até que fica claro que o anti-herói de Apa é um vencedor se comparado a Dean Miller, sua versão mais experiente, mais leviana, mais estúpida e patologicamente egocêntrica, papel que Eric Dane agarra com vontade depois de ter interpretado Cal Jacobs em “Euphoria” (2019-2020).
Na abertura, Wes surge disputando um racha com amigos até ser surpreendido pela polícia e amargar seis longos meses na cadeia. Ao sair, está banido da Marinha, o que serve-lhe de pretexto para que resgate a moto e volte aos antigos hábitos, ou quase. O diretor-roteirista não esclarece a razão que o impele a querer retomar o vínculo com Dean, que jamais o rejeita, mas também não se mostra nada empenhado em legalizar a situação dos dois — ainda que, justiça se lhe faça, alardeie aos quatro ventos que agora tem um filho. Decerto, o ponto mais estimulante em “Manobra Arriscada” é o jeito como Blatz encaminha os diversos conflitos que se acumulam em torno das figuras de Wes e Dean, que passam perfeitamente por amigos de farra, mas nunca por pai e filho.
Essa posição vai sendo aos poucos ocupada por Abel, o chefe e, vá lá, patrocinador do velho piloto, que tem em comum com ele apenas a paixão por disputas de motociclismo. Edward James Olmos vai crescendo na trama, incorporando a doçura e a sabedoria ancestral de que Wes, seu futuro pupilo, tanto necessita, e para não pesar tanto a mão e quebrar algum estigma misógino, entra em cena Maia Reficco na pele de Camilla, uma garçonete que tentara carreira na Broadway e agora estuda enfermagem, criando com algum sufoco Leo, o filho cujo pai morreu em circunstâncias misteriosas.
Reficco junta-se a esse time de perdedores, saindo-se bem depois do sucesso em “Pretty Little Liars” (2010-2016), e o namorico de Camilla e Wes tem seus momentos luminosos, de altos e baixos, que o diretor explora a contento, dando margem a algumas sequências de anticlímax, quando o enredo parece ir por um caminho e dá um cavalo de pau quiçá brusco demais. Não raro, quem assiste se pega imaginando uma tragédia definitiva na infeliz jornada desses quatro adoráveis malditos, mas, para o bem e para o mal, tudo converge para uma felicidade mágica, com uma solução deus ex machina de que eu, pelo menos, não reclamo.
Filme: Manobra Arriscada
Direção: Kelly Blatz
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Drama
Nota: 8/10