No universo literário brasileiro, autores como Graciliano Ramos (1892-1953) e Euclides da Cunha (1866-1909) transformaram a caatinga em um cenário emblemático, repleto de figuras emblemáticas como cabras, cangaceiros e soldados, que são remanescentes de uma época em que a precariedade das forças de segurança dominava o Nordeste. Esse ambiente, com suas paisagens inóspitas e místicas, é para o Brasil o que o Velho Oeste representou para os Estados Unidos no século XIX.
A caatinga, enraizada no tempo e marcada pela influência de políticos inescrupulosos, perpetua um ciclo vicioso de dependência assistencialista que, embora necessário, mantém a população em uma situação de humilhação contínua. Nesse contexto, o filme “O Matador”, de Marcelo Galvão, parece, à primeira vista, exaltar os mitos do sertão, mas uma análise mais atenta revela uma crítica social sutil, que ressoa com as obras de José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Euclides da Cunha, ainda que essa crítica nem sempre seja aprofundada.
O roteiro de Galvão, contudo, não se propõe a desvelar as feridas do sertão com a mesma profundidade que seus predecessores literários. Em vez disso, seu mérito reside na capacidade de capturar aspectos que se esvaem com o tempo. Após uma introdução visualmente apelativa, mas pouco inspirada, onde os personagens são apresentados em meio a um fundo vermelho granulado, a narrativa começa a se desdobrar.
Um encontro entre um homem misterioso e duas figuras suspeitas em uma clareira incomum dá o tom inicial da história, que se transforma em uma espécie de cordel visual, evocando figuras lendárias como Lampião e Maria Bonita, reimaginadas pelo público. A saga do matador, narrada em uma toada desprovida de acompanhamento musical, se entrelaça com uma subtrama que retrata o auge e a decadência da mineração em Pernambuco em 1910, permeando todo o filme.
No centro da trama, as turmalinas Paraíba, pedras preciosas que superam o valor dos diamantes, transformam a vida de Cabeleira, o protagonista interpretado por Diogo Morgado, em um verdadeiro calvário. A partir desse ponto, Galvão intensifica a metáfora, elevando a narrativa a um patamar mais elevado, apenas para observá-la descer lentamente. Durante esse arco narrativo, personagens sombrios como Sete Orelhas, Navalhada, Boca Seca e Peruano entram em cena, cada um ligado a Cabeleira de formas opostas.
A cinematografia de Fabrício Tadeu, com seu jogo de sombras e contrastes de sépia, contribui para amenizar a violência gráfica das cenas em que o vilão de Morgado se envolve em atos grotescos, como devorar escorpiões e esventrar animais. A dura realidade do sertão, onde a miséria prospera sem necessidade de cultivo, é retratada com crueza. Ao final, Galvão retorna à cena inicial na caatinga, trazendo as revelações que o espectador já esperava, concluindo um filme que, apesar de começar de forma incerta e terminar de maneira pouco satisfatória, encontra um ponto de redenção em seu desenvolvimento, como uma vela que brilha intensamente no coração de uma terra árida.
Filme: O Matador
Direção: Marcelo Galvão
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Faroeste
Nota: 8/10