Últimos dias na Netflix: o filme que combina a sensibilidade de Andrei Tarkovski com a raiva e o suspense de Ridley Scott Divulgação / Condor Distribution

Últimos dias na Netflix: o filme que combina a sensibilidade de Andrei Tarkovski com a raiva e o suspense de Ridley Scott

Lançado em 2020, “Estranho Passageiro — Sputnik” traz à tona influências de mais de meio século atrás, com “2001 — Uma Odisseia no Espaço” (1968) ainda estabelecendo o padrão inatingível para filmes sobre a exploração espacial. Mesmo diretores renomados, como Alfonso Cuarón em “Gravidade” (2013) e Daniel Espinosa em “Life” (2017), não conseguiram superar a maestria de Kubrick, e “Sputnik” de Egor Abramenko segue a mesma linha, com suas falhas destacando a dificuldade de inovar no gênero. Embora Abramenko tente capturar a essência do terror, como fez Kubrick, o filme acaba por ser uma sombra pálida de suas inspirações, onde a exploração do pânico, fundamental em “2001”, fica subdesenvolvida, limitando o impacto da narrativa.

A história, ambientada em 1983, no auge da corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, começa com a nave russa Orbit-4 retornando à Terra com apenas um astronauta sobrevivente, Konstantin Veshnyakov (Pyotr Fyodorov). Isolado e tratado como um criminoso, Veshnyakov enfrenta uma investigação difícil liderada pela psicóloga Tatiana Klimova (Oksana Akinshina), que deve desvendar o mistério de sua perda de memória e descobrir o que realmente aconteceu durante a missão. Abramenko, no entanto, opta por um caminho menos filosófico, revelando que Veshnyakov não retornou sozinho; um organismo alienígena agora habita seu corpo, elevando a tensão da narrativa.

“Sputnik” exige atenção e paciência do espectador. Se a relação platônica entre Veshnyakov e Klimova monopoliza a trama, o verdadeiro destaque é o coronel Semiradov (Fedor Bondarchuk), cuja atuação oferece uma janela para a paranoica União Soviética da época. Semiradov, um militar autoritário e ufanista, é uma personificação do rígido e sombrio regime soviético, e seu personagem adiciona uma camada de profundidade ao filme, trazendo à tona a atmosfera de desconfiança e opressão que marcava a era de Stálin.

O organismo alienígena, representando talvez a influência externa sobre a Rússia, se torna uma metáfora complexa que Abramenko não explora plenamente. Veshnyakov, retratado de forma contida por Fyodorov, carrega o peso de um homem cujas ambições profissionais destruíram sua vida pessoal, deixando-o à mercê de um estado despótico. Klimova, por sua vez, luta para equilibrar sua identidade em um ambiente hostil, sem encontrar na relação com Veshnyakov a redenção que poderia ter sido explorada.

A tentativa de Abramenko de abordar o contato com o desconhecido, inspirada por filmes como “A Chegada” (2016), de Denis Villeneuve, carece da inovação necessária para se destacar no gênero. O filme, ao invés de avançar, acaba por reafirmar que as grandes verdades do terror, que poderiam ser expostas, permanecem submersas. No final, “Sputnik” se limita a uma exploração superficial de temas profundos, onde as alegorias do terror humano ficam aquém de seu potencial, resultando em um filme que, apesar de promissor, falha em entregar uma narrativa verdadeiramente impactante.


Filme: Estranho Passageiro — Sputnik
Direção: Egor Abramenko
Ano: 2020
Gênero: Ficção científica/Thriller
Nota: 8/10