Kathryn Bigelow desenvolveu em “A Hora Mais Escura” (2012) uma visão mais refinada e organizada do que havia começado a explorar em “Guerra ao Terror” (2008). O primeiro filme emerge como um relato detalhado sobre o clima de insegurança e medo que dominou os Estados Unidos e o mundo após o 11 de setembro de 2001. Esse episódio marcou a humanidade de maneira profunda, desencadeando um novo nível de ameaça terrorista que, felizmente, provocou uma rejeição significativa da comunidade internacional, comprometida em defender os valores que sustentam a liberdade e a segurança.
A interconexão entre os dois filmes de Bigelow é inegável, com “Guerra ao Terror”, na Netflix, fornecendo elementos perturbadores que ajudam a compreender a narrativa posterior. Embora o filme de 2008 não consiga manter a tensão ao longo de todos os seus 131 minutos, Bigelow e o roteirista Mark Boal conseguem prender a atenção do público, mesmo quando o desfecho é conhecido. A dupla provoca o espectador a simpatizar com personagens moralmente questionáveis, cujas ações, embora longe do ideal, são compreensíveis dentro de um cenário de guerra. Esses personagens, falhos e humanos, refletem o caos em que os sonhos de uma vida melhor e menos aterrorizante são forjados.
O roteiro de Boal, por sua vez, toca em um ponto sensível ao sugerir que a guerra, apesar de seu horror, pode ser viciante. Esse conceito, alinhado com a famosa frase de Phillip Knightley em seu livro “A Primeira Vítima” (1978), ressalta o prazer mórbido que alguns encontram na guerra, uma analogia desconcertante ao divertimento infantil. O sargento William James, interpretado por Jeremy Renner, é um exemplo desse tipo de personagem, que se destaca não apenas pela habilidade técnica, mas por uma inquietação ética que, mesmo sutil, permeia suas ações.
Boal usa o cinismo como ferramenta para construir um James mais dedicado à sua missão de desarmar bombas do que à camaradagem com seus colegas soldados. Essa postura resulta em desconfiança e até aversão por parte dos outros, especialmente após o incidente com Matt Thompson, interpretado por Guy Pearce. Embora a ação se passe no Iraque, é fácil imaginar quantos cenários semelhantes ocorreram em outros lugares onde os Estados Unidos estiveram envolvidos militarmente, como no Afeganistão e na Líbia. Esses conflitos, muitas vezes justificados como tentativas de libertar populações oprimidas, acabam dizimando as mesmas pessoas que se pretendia proteger.
Renner, em uma performance que merecia reconhecimento, dá vida a um anti-herói fascinante, uma figura que poderia ser vista como o único capaz de neutralizar as ameaças que pairam sobre seu grupo. James é retratado como um homem feito do mesmo material que seus companheiros, mas com uma diferença essencial que o torna mais sombrio. Ele encarna a dualidade da guerra, sendo ao mesmo tempo um agente de caos e uma figura de ordem em um ambiente onde a esperança é quase inexistente.
As interações entre James e J.T. Sanborn, personagem de Anthony Mackie, acrescentam camadas de complexidade ao filme. Sanborn, com sua abordagem cuidadosa e patriótica, representa um tipo diferente de soldado, um homem cujo zelo pelos procedimentos e sinceridade patriótica parecem em vão diante da futilidade das operações em que se envolve. Sua prudência contrasta com a astúcia de James, que, ao menos, não se permite sonhar. Sanborn, por outro lado, se transforma em uma figura trágica, um “cadáver que procria”, espalhando o medo em sua forma mais crua e abrangente.
Filme: Guerra ao Terror
Direção: Kathryn Bigelow
Ano: 2008
Gêneros: Guerra/Ação/Suspense
Nota: 9/10