Inspirado em obra de Dostoiévski, faroeste com Idris Elba está na Netflix David Lee / Netflix

Inspirado em obra de Dostoiévski, faroeste com Idris Elba está na Netflix

Personagens impulsionados por um desejo de vingança, que se lançam em uma jornada implacável contra aqueles que abalaram a paz de seu lar e mancharam a honra de sua família, têm uma presença constante no cinema. Essa premissa é reafirmada quando se examinam obras que exploram a temática do ajuste de contas, como é o caso de “O Regresso” (2015), dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu. Este filme, considerado por muitos como um dos mais marcantes do gênero, apresenta um protagonista que mantém uma conduta inflexível, mesmo quando submetido a todas as formas de ultraje.

No entanto, em “Vingança e Castigo”, o protagonista segue uma trajetória diferente. Embora também esteja em busca de reparação, o personagem principal não se encaixa no perfil do herói convencional. Este filme, que marca a estreia de Jeymes Samuel como diretor de longa-metragens — ele já havia dirigido o curta “They Die by Dawn” em 2013 —, pode não trazer inovações significativas ao gênero, mas destaca-se pela forma original com que Samuel conduz sua narrativa, resultando em uma das produções mais surpreendentes de 2021.

A atuação de Jonathan Majors é um dos pilares que sustentam o sucesso do filme. No papel de Nat Love, líder de uma gangue que testemunhou o assassinato brutal de seus pais por Rufus Buck, interpretado por Idris Elba, Majors revela uma faceta de seu talento que anteriormente passara despercebida por outros diretores.

Seu Nat Love é ao mesmo tempo ameaçador e cativante, especialmente nas cenas em que contracena com Zazie Beetz, que interpreta Stagecoach Mary, um antigo interesse amoroso do protagonista. O clímax do filme se concentra no confronto entre Love e Buck, cujo arco dramático é central para a trama. Após ser inexplicavelmente libertado de uma sentença de prisão perpétua, Buck representa uma ameaça que obriga Love a abraçar de vez seu lado mais sombrio, unindo forças com aliados poderosos em sua busca por justiça. No entanto, o antagonista adota a mesma estratégia, criando um embate de igual para igual.

A performance de Majors em “Vingança e Castigo” presta uma homenagem sutil a figuras icônicas como as interpretadas por Clint Eastwood em filmes clássicos do gênero western. O personagem de Love possui semelhanças com o enigmático Homem sem Nome da trilogia dos dólares de Sergio Leone, composta por “Por um Punhado de Dólares” (1964), “Por uns Dólares a Mais” (1965), e “Três Homens em Conflito” (1966). Ambos os personagens oscilam entre o heroísmo e a vilania para alcançar seus objetivos.

No caso de Love, há ainda a questão racial, abordada de maneira consciente por Samuel, cujo elenco é predominantemente negro. Love é retratado como um mártir que se ergue contra a barbárie cometida contra sua família por um criminoso que, como ele, é negro — uma escolha ousada do diretor, que toca em temas como o racismo reverso e a discriminação dentro da própria comunidade negra.

A história se passa no século 19, período em que a 13ª Emenda foi aprovada, em 1865, nos últimos momentos da Guerra Civil Americana, onde o Sul escravagista enfrentava o Norte abolicionista. Contudo, Samuel não busca fazer um retrato histórico desse evento, diferentemente de Ava DuVernay em seu documentário de 2016, ou Regina King em “Uma Noite em Miami” (2020), que foca nos direitos civis dos negros nos anos 1960.

Embora Love enfrente um inimigo negro como ele, é difícil não traçar um paralelo com “Django Livre” (2012), de Quentin Tarantino, devido à forte influência do gênero western em “Vingança e Castigo”. Em “Django Livre”, Tarantino subverte os estereótipos do escravo submisso que se torna um vingador implacável contra seus opressores brancos. Já Samuel aborda de forma direta a complexidade do racismo nos Estados Unidos e na sociedade contemporânea, sugerindo que, assim como qualquer outro grupo, os negros podem ser tanto heróis quanto vilões, uma visão que também permeia o filme “Infiltrado na Klan” (2018), de Spike Lee.

Em “Vingança e Castigo”, na Netflix, Jeymes Samuel faz uma referência inteligente a “Crime e Castigo” (1866), de Fiódor Dostoiévski, sugerindo que o resgate da honra pode vir através do sofrimento, uma visão de mundo que ressoa tanto no anti-herói de Dostoiévski quanto em Nat Love. Ambas as narrativas, situadas no século 19, refletem as angústias e dilemas morais de suas respectivas épocas. Cada era, ao que parece, tem os heróis e vilões que merece.


Filme: Vingança e Castigo
Direção: The Bullitts
Ano: 2021
Gênero: Faroeste
Nota: 9/10