Talvez alguém já tenha se preocupado em desvendar o porquê dos romances de Jane Austen (1775-1817) suscitarem no público do século 21 emoções tão vívidas, mesmo que o mundo não pare de experimentar mudanças as mais severas, da política ao ambiente corporativo, passando pelos mistérios quase insondáveis das famílias, pelos relacionamentos amorosos e, como não poderia deixar de ser, pelas convenções. Publicado em 1811, “Razão e Sensibilidade” abre a trilogia em que Austen discorre sobre o amor em oposição às premências mais básicas da vida; com “Orgulho e Preconceito” (1813), a escritora ratifica seu anseio de especular acerca de valores ainda mais taxativos na Inglaterra de há duzentos anos, remexendo episódios abafados de uma família antes prestigiosa, porém materialmente depauperada.
“Sem Prada Nem Nada” é o esforço do venezuelano-americano Angel Graciaquanto a juntar-se ao vasto clube de admiradores da romancista britânica, abordando os temas que viraram a cabeça da sociedade do princípio do século 19 sob um ângulo mais aberto, onde cabem admoestações ao consumismo, aos sentimentos que dão lugar a falsos valores, à venenosa superioridade que certas pessoas desenvolvem apenas por terem dinheiro — até que o dinheiro evapora de uma hora para outra e não sobra nada.
Gracia rompe a história mostrando Mary Dominguez, uma típica patricinha de Beverly Hills, zanzando por Los Angeles com milhares de sacolas. Ela compra vestidos, bolsas, óculos, tudo de grife, como sugere o calemburgo engraçadinho do título, dirige seu luxuoso carro esporte e vai para a mansão onde mora com o pai, Gabriel, e Nora, a irmã mais nova e mais ajuizada. Uma cena breve diz o bastante acerca dos personagens de Alexa Vega, Camilla Belle e Alexis Ayala, que falam enquanto o quadro da finada mãe das garotas os observa.
O diretor dá algumas pistas sobre a índole do patriarca, mas reserva para um pouco mais adiante a primeira revelação acerca do personagem de Ayala, que imprime mais densidade ao conflito central. Enquanto isso, o cuidadoso roteiro de Luis Alfaro, Craig Fernandez e Fina Torres fixa-se em Mary e Nora, até que o infarto fulminante de Gabriel, em meio aos preparativos de uma festa, desvenda esse primeiro mistério, o que obriga as duas a pedir socorro a Aurelia, uma tia pobre que faz questão de alardear sua origem latina. Caídas em desgraça, as irmãs cruzam a Cidade dos Anjos e vão à nada glamorosa zona leste, onde mora sua única possível benfeitora.
O que vem depois é absolutamente previsível, e mesmo assim ninguém deixa de se encantar com as performances dedicadas que fazem justiça à pena de Austen. Mais uma vez, Adriana Barrazacaptura o olhar do público, conseguindo transitar de uma ligeira amargura inicial ao afeto genuíno que Aurelia passa manifestar às sobrinhas, sobretudo Mary, que sem nenhuma surpresa, apaixona-se por Bruno, o vizinho pobre de nascença, de WilmerValderrama. Quanto a Nora, da mesma forma que Elinor Dashwood, ela passa por cima de traumas e complexos sem amparo na realidade e vislumbra, afinal, uma razão para apostar no amor. Pelo que assiste em “Sem Prada Nem Nada”, a sensibilidade de Jane Austen não sai de moda tão cedo.
Filme: Sem Prada Nem Nada
Direção: Angel Gracia
Ano: 2011
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10