Filme chocante e perturbador com Keanu Reeves, na Netflix, que Tarantino considera um de seus favoritos Netflix / Annapurna Pictures

Filme chocante e perturbador com Keanu Reeves, na Netflix, que Tarantino considera um de seus favoritos

Distorções distópicas têm um apelo eterno. Com frequência, a indústria do cinema revisita o tema, explorando novas facetas de um gênero que, desde tempos imemoriais, se debruça sobre as ameaças à continuidade da espécie humana. Vivendo em um mundo que o ignora e o oprime, o homem tenta, desesperadamente, encontrar um sentido, equilibrar suas inquietações, superar seus medos e atender às exigências do corpo e da alma, cada um com suas próprias necessidades.

No entanto, essa busca incessante frequentemente esbarra nas suas limitações, levando-o a enfrentar os desertos de solidão, onde os oásis de esperança são cada vez mais escassos. Filmes como “Amores Canibais” caminham na tênue linha entre a fantasia sombria de uma realidade monstruosa — mas não impossível — e a tentativa de desenhar cenários onde o ser humano ainda pode ter uma chance de redenção, mesmo em meio ao caos que se tornou habitual.

Dirigido por Ana Lily Amirpour, cineasta iraniana-americana, o filme reflete sobre essas possibilidades sombrias que o homem, por sua própria ação, ajuda a construir. Ao mesmo tempo, mostra que, mesmo em um estado de evidente decadência, sempre resta algo nos indivíduos que os remete à sua humanidade e, por extensão, à sua divindade.

Amirpour, que já havia se destacado em seu longa de estreia, “Garota Sombria Caminha pela Noite” (2014), onde explora a angústia de uma jovem solitária que suaviza o peso de sua existência ao se alimentar do sangue de suas vítimas, continua a investigar o poder da determinação feminina. Em “Amores Canibais”, a diretora leva o espectador a uma jornada transformadora, guiada pela força de vontade de uma mulher que, mesmo sem saber exatamente como, busca uma mudança radical em sua vida.

Apesar de sua premissa brutal, “Amores Canibais” é um filme de nuances. Amirpour dá vida a Arlen, uma personagem que personifica o desespero e a fé em um mundo pós-apocalíptico, ambientado no deserto do Texas, onde a areia e a loucura são os principais sobreviventes. Nesse cenário, os seres humanos alimentam-se uns dos outros, seja por necessidade, seja por puro prazer, sem realmente entender por que ainda permanecem vivos.

A atuação de Suki Waterhouse é crucial para transmitir ao público a sensação constante de desconforto e inadequação, sentimentos que crescem e, eventualmente, dão lugar à repulsa e ao tédio, emoções que variam entre a luta instintiva pela sobrevivência — mesmo após perder um braço e uma perna para canibais sem escrúpulos — e o ódio pela sua nova condição.

A história ganha uma nova camada com a entrada de um personagem chamado Miami Man, um imigrante cubano interpretado por Jason Momoa, cuja presença marcante e intensamente ferida por perdas quase irreparáveis traz um contraponto ao horror predominante.

Por fim, a trilha sonora, composta por Andrea von Foerster, destaca-se ao reviver clássicos dos anos 1980 e 1990, trazendo à tona artistas como Boy George e Ace of Base. De forma paradoxal, “Amores Canibais”, na Netflix, consegue capturar o interesse do público, ávido por uma narrativa envolvente, ainda que por motivos inesperados.


Filme: Amores Canibais
Direção: Ana Lily Amirpour
Ano: 2017
Gêneros: Thriller/Romance/Terror
Nota: 8/10