O filme que M. Night Shyamalan considera o mais subestimado de sua carreira acaba de estrear na Netflix Divulgação / Sony Pictures Releasing

O filme que M. Night Shyamalan considera o mais subestimado de sua carreira acaba de estrear na Netflix

Um pai e seu filho tentam salvar-se em “Depois da Terra”, que explica que o mundo como o conhecemos já não existe mais, e essa sensação de que a qualquer momento a ruína pode deixar a tela e pular no colo de quem assiste dá a tônica de mais este relato pós-apocalíptico de M. Night Shyamalan, um mestre no assunto. Com “A Vila” (2004), “A Dama na Água” (2006), “Fim dos Tempos” (2008) e “O Último Mestre do Ar” (2010), todos fracassos de crítica e de público, Shyamalan foi erigindo uma carreira forjada em suas impressões acerca do fim irremediável de tudo, e, claro, cada um tem sua própria ideia sobre o cataclismo que ainda há de aniquilar-nos de uma vez para sempre. 

O roteiro do diretor, coassinado com Gary Whitta e Will Smith, assinala, entre muitas sequências de confrontos, o pacto de Cypher Raige e Kitai, dois guerreiros que voltam ao antes Planeta (antes) Azul por acaso e não deixam de se espantar com o rastro de destruição e morte patrocinado por monstros que caçam homens pelo que temos de mais instintivo e, portanto, indissociável de nossa natureza. Shyamalan reoxigena essa desesperança, uma de suas marcas registradas, levando a história por um labirinto de sentimentos, um mais confuso e envolvente que o outro. 

Cypher e Kitai vêm de Nova Prime, uma colônia fundada pela Força Ranger Unida, grupamento de elite de soldados que viveram e se formaram aqui, para abrigar os últimos terráqueos. Há mil anos ninguém mais se lembra que existiram formas de vida inteligente fora de Nova Prime, e agora estão esses dois invasores acidentais lutando pela sobrevivência, forçando-se a esquecer toda a evolução de que fizeram parte a fim de ter uma chance de regressar a seu paraíso natal, como a Terra já fora num tempo morto, berço de maravilhas e segredos dos quais dependia a continuação do homo sapiens sapiens. Agora, os dois estão à mercê das ursas, as feras sem olhos que devoram homens, chegando a sua presa pelos feromônios liberados quando se sente medo. 

O diretor faz questão de repisar esse argumento, colocando na boca de Cypher frases de efeito como a que crava que “o único lugar onde o medo pode existir é em nossos pensamentos sobre o futuro”, dita para um Kitai a um passo de entregar os pontos. Shyamalan também, por óbvio, investe na química entre Will e Jaden Smith, novamente juntos ao cabo de sete anos, desde “À Procura da Felicidade” (2006), de Gabriele Muccino. Cypher Raige, o Fantasma Original, é o único capaz de imprimir alguma ordem neste novo cenário de acracia imanente. Acredita-se que ele seja livre de medo, e como as ursas não o detectam, não poderia haver apelido mais justo. 

Shyamalan é um dos cineastas que melhor sabe tirar proveito das emoções mais primitivas da audiência, sem as quais nunca poderia alcançar seus objetivos. Em “Depois da Terra”, a parceria com Smith cai como uma luva em sua intenção de grifar a urgência de um pai de ver seu filho a salvo, metáfora que toca aos rumos questionáveis que a humanidade tem tomado movida pela inclemente sanha por poder e progresso, mas remete, antes de mais nada, ao terror de Shyamalan de não ser capaz de defender sua própria família, como se vê no recente “Armadilha” (2024). Aqui, Cypher e Kitai se separam, e fica no ar uma mensagemnada auspiciosa sobre a culpa individual de cada um na degradação da vida, seja lá em que plaga do universo.


Filme: Depois da Terra
Direção: M. Night Shyamalan
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 8/10