“Tudo que você aprende na escola, você aprende na rua”, diz o vigarista de Joel Torre ao neto a certa altura de “Lolo e Kid”, o drama pleno de lances tragicômicos do filipino Benedict Mique, ao que garoto responde que, em sendo assim, ele já saberia ler. A triste obviedade lembrada por Mique é que, aos oito ou nove anos, Kid, esse garotinho cheio de sonhos, garante o sustento de Lolo, o avô malandro, sua única família, seduzindo sem querer famílias abastadas de Manila, e sua única diversão é demorar-se o quanto pode comendo o sanduíche que lhe oferecem pouco antes de os golpes armados por Lolo darem certo e os dois saírem dali levando sacolas com os objetos valiosos que vendem nas feiras da periferia, juntando dinheiro até o próximo cambalacho. Educar crianças nunca foi exatamente fácil, mas houve um época em que o ruído na sintonia entre pais e filhos era bem menos intratável. Havia pessoas e associações verdadeiramente empenhadas em ajudar no encaminhamento moral daqueles novos futuros homens, até que o cristal das ilusões esboroou-se.
O roteiro de Mique concentra o filme quase todo sobre as excelentes atuações de Torre e Euwenn Mikael, seu talentoso parceiro, mostrando sem nenhuma pretensão o cotidiano de dois trambiqueiros que se viram como podem para defender algum trocado. O rostinho imaculado, os gestos afetuosos e as maneiras estudadamente contidas do menino escondem as intenções mais diabólicas, estimuladas, claro, pelo velho. O diretor-roteirista bate nessa tecla, levando a dupla a peregrinar por ruas de um bairro nobre da capital, até que encontrem o pato ideal.
Nesse momento, prostram-se diante da porta, na calçada, e aí o instinto de sobrevivência de Kid e Lolo e o carisma magnético de torre e Mikael encarregam-se do resto. A primeira sequência, em que conseguem penetrar num daqueles palacetes, causar a piedade dos anfitriões, tomar um banho quente, instalar-se por uma noite numa cama bem macia e sair com uma pequena fortuna em sacos de estopa, repete-se, variando apenas o cenário e os atores com quem contracenam, até que, no segundo ato, Mique chega aonde deveria e faz-nos enxergar a verdadeira chaga dos dois, muito mais purulenta que a miséria mais odienta, que resiste ao passar dos anos. Semapelaçãoe com doçura.
Filme: Lolo e Kid
Direção: Benedict Mique
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Comédia/Coming-of-age
Nota: 8/10