Há sempre um tom de farsa em todos os diálogos de todas as cenas de “Ingresso para o Paraíso” — e talvez nem pudesse ser diferente. Grã-finos um tanto mimados que compensam suas frustrações com carreiras bem-sucedidas, cursos em universidades tradicionais e viagens a recantos de mar e céu distantes das terras civilizadas são a graça deste trabalho de Ol Parker, que poderia ser substituído por Todd Haynes, Woody Allen ou Noah Baumbach sem que se notasse uma grande diferença no fundamento da narrativa.
Aqui, Julia Roberts e George Clooney, nessa ordem, encarnam os sentimentos contraditórios de que o amor também é feito, abrindo a história para mergulhos de mais fôlego nos meandros secretos de Georgia e David, um ex-casal que se vê obrigado a superar suas mágoas quando sabem que a filha vai largar tudo por uma paixão, como eles fizeram 25 anos antes, e experimentar uma outra vida num lugar selvagem e inspirador do outro lado do mundo. Parker e o corroteirista Daniel Pipski situam a trama em Bali, a “terra dos deuses” no sul da Indonésia, justamente para não comprometer-se demais com as chateações do ex-marido e da ex-esposa e deixar que o enredo caminhe a seu talante. E, em assim sendo, todo mundo sabe muito bem para onde ele vai.
O engenheiro David e a marchande Georgia começam “Ingresso para o Paraíso” cada qual em seu ambiente de trabalho, ele num canteiro de obras e ela num leilão, desfiando seu rosário de péssimas memórias do casamento sabe Deus por quê — aliás, nós sabemos, claro: para que haja filme. Nunca se pode ter certeza sobre quem diz a verdade, e apesar desse recurso dar sinais de esgotamento, o diretor estica a corda um pouco além do conveniente. Pouco depois, eles surgem partilhando com o espectador seus afazeres para a formatura da Lily, a filha que conseguiram ter nos primeiros cinco anos de união, antes que tudo degringolasse sem que, mais uma vez, não se saiba a razão.
Roberts e Clooney aproveitam esses lapsos no texto de Palmer e Pipski para imprimir sua própria visão acerca daquela mulher e daquele homem meio desgraçados, incapazes de virar a página e condenados a estar sempre perto, perto até demais. Na boa sequência da colação de grau da turma de Lily, Georgia e David foram obrigados a sentar juntos e dividir as atenções entre o discurso da futura advogada (assim eles esperam) e a posse pelo braço da cadeira. Começo a pensar que mesmo aqueles sessenta meses de vida em comum tenham sido uma descida ao círculo mais baixo do inferno. Pobre Lily.
A viagem da moça a Bali concentra as possibilidades mais vigorosas do longa. Em condições normais de temperatura e pressão, ela passaria bons momentos com Wren, a amiga interpretada por Billie Lourd, encheria a cara de daiquiris e negronis, conheceria Kuta, Legian e Seminyak, se desse muita sorte teria uma noite de prazer com um belo nativo e regressaria à América, pronta para trabalhar pelas três décadas seguintes, casar-se com um WASP da sua classe social, ter com ele os filhos que lhes dariam netos, aposentar-se e visitar aquelas praias cujo cheiro de maresia amalgamar-se-ia às lembranças de uma juventude perdida há muito.
Kaitlyn Dever trata de ter sempre um gesto qualquer que saca da cartola no instante preciso, e, por mais artificiosa que a história seja, do tipo mesmo que só acontece nos filmes, acabamos por torcer para que fique por lá e tenha todos que quiser com Gede, o fazendeiro de algas vivido por Maxime Bouttier. Se “Ingresso para o Paraíso” parasse por aí, reservando a Lily e Gede a cota de felicidade rosicler desses contos de fadas pós-modernos, poder-se-ia relevar a pieguice em nome das maravilhosas insânias que se cometem graças à urgência de se fazer da vida algo extraordinário. Lamentavelmente, a solução deus ex machina pela qual Palmer decide para incluir Georgia e David no pacote coloca a perder muito da dedicação dos veteranos Roberts e Clooney num dos desfechos mais tolos de todos os tempos — e olhe que as comédias românticas de Hollywood são pródigas nisso! Eis o preço que se deve pagar por se assistir a uma produção com esses monumentos da cultura pop.
Filme: Ingresso para o Paraíso
Direção: Ol Parker
Ano: 2022
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 7/10