Considerado o filme perfeito, indicado a 146 prêmios e ganhador de 110, incluindo o Oscar, está no Prime Video Divulgação / Universal Pictures

Considerado o filme perfeito, indicado a 146 prêmios e ganhador de 110, incluindo o Oscar, está no Prime Video

Dentro de um único quarto, um mundo inteiro pode se formar, mas para os habitantes de “O Quarto de Jack”, essa realidade é um pesadelo. Inspirado no romance de Emma Donoghue, lançado em 2010, o filme de Lenny Abrahamson adapta para o cinema uma história intensa e emocional, focando no poder das palavras e imagens. O diretor enfrenta o desafio de dar vida a um enredo que já se destacava pela força narrativa, trazendo à tela a história de Joy Newsome e seu filho Jack. Brie Larson e Jacob Tremblay, em performances brilhantes, interpretam a dupla de mãe e filho prisioneiros de um sequestrador, conhecido apenas como Velho Nick, que os mantém cativos em um pequeno quarto. Jack, nascido nesse ambiente isolado, conhece o mundo exterior apenas através de uma televisão antiga, enquanto sua mãe luta para manter sua sanidade e esperança de fuga. Com uma narrativa íntima e poderosa, o filme destaca o vínculo indestrutível entre Joy e Jack, que se torna uma âncora em meio ao horror e à privação.

Para entender a profundidade de “O Quarto de Jack”, é interessante refletir sobre a filosofia de Arthur Schopenhauer. Em “O Mundo como Vontade e Representação”, o filósofo explora a natureza humana como uma manifestação de desejos muitas vezes destrutivos. Joy, ao ser levada por sua compaixão, é tragicamente enredada em uma armadilha ao tentar ajudar um desconhecido. Essa decisão a coloca em um pesadelo contínuo de violência e isolamento. Contudo, a mesma filosofia que a prende também fornece a chave para sua resiliência: a capacidade de criar um mundo alternativo para Jack, onde ele possa crescer protegido das realidades sombrias que os cercam.

Joy inventa uma realidade própria dentro do quarto, um espaço que, apesar de ser uma prisão, torna-se um refúgio onde ela pode ensinar seu filho sobre o mundo que um dia talvez ele conheça de verdade. Jack, por outro lado, cresce cercado por uma ilusão cuidadosamente construída que, mesmo com suas limitações, oferece um senso de segurança e amor. A televisão, a única janela para o mundo exterior, acaba sendo tanto uma bênção quanto uma maldição, permitindo vislumbres de normalidade enquanto reforça o confinamento físico e mental do lugar em que vivem. Quando Jack atinge a idade de cinco anos, Joy decide revelar a verdade, desencadeando uma série de eventos que desafiam a bolha protetora que havia criado.

A narrativa do filme avança, e Jack, mesmo confuso, começa a perceber que sua vida é parte de algo mais vasto e perigoso. Ele é confrontado com a dura realidade de que o mundo não é apenas o espaço entre as quatro paredes do quarto. Convencido de que Velho Nick é a ameaça definitiva à sua segurança, Jack, encorajado por Joy, se engaja em um plano ousado de fuga. A partir desse ponto, o filme mergulha em uma sequência tensa e emocional, onde a coragem de um menino e a determinação de uma mãe se entrelaçam em um clímax angustiante. A cena em que Jack se vê transportado fora de seu mundo pela primeira vez é uma demonstração poderosa da resiliência humana e da busca incessante por liberdade.

Após a fuga, a realidade bate com força, especialmente para Joy, que enfrenta a difícil tarefa de se reintegrar à vida fora das quatro paredes que conhecia. Brie Larson brilha em seu retrato de uma mulher tentando reconstruir sua identidade e se reconectar com uma família que, por um lado, não consegue entender totalmente sua experiência e, por outro, é incapaz de aceitar plenamente as cicatrizes de seu passado. William H. Macy, no papel de Robert Newsome, personifica o conflito interno de alguém confrontado com os remanescentes tangíveis de um horror indescritível, simbolizado por Jack. É, paradoxalmente, através de Jack que a luz começa a romper as sombras, conforme ele se adapta e traz consigo uma nova perspectiva para os que o rodeiam.

Um ponto culminante é a entrevista de Joy em um programa de televisão, onde as perguntas incisivas da apresentadora a levam a confrontar o que significa realmente ter sobrevivido ao cativeiro. A ideia de que poderia ter agido diferente, libertando Jack desde o início, pesa como uma culpa insuportável, levando-a a um estado de desespero que culmina em uma tentativa de suicídio. Durante este tempo de crise, é o amor persistente e a força de Jack que a ajudam a encontrar um novo equilíbrio, apoiada pela avó e pelo círculo íntimo que começa a se formar ao seu redor.

Ao fim, “O Quarto de Jack” não é apenas um relato de sobrevivência, mas uma meditação sobre a complexidade das relações humanas e a capacidade de encontrar esperança em circunstâncias impossíveis. Na cena final, Jack e Joy revisitam o local de seu antigo cativeiro, fechando um capítulo de suas vidas e sinalizando o início de outro, marcado pela possibilidade de novos começos e a promessa de um futuro não mais definido pelo passado.

O caso real que inspirou o livro e o filme adiciona uma camada adicional de horror e redenção, lembrando-nos da capacidade do espírito humano de resistir e superar mesmo as provações mais atrozes. Emma Donoghue encontrou inspiração na terrível história de Elisabeth Fritzl, cujo sofrimento nas mãos do pai ecoa na jornada de Joy, oferecendo uma reflexão perturbadora sobre o mal e a redenção. O desfecho para Fritzl foi a morte na prisão, mas para Jack e Joy, a liberdade abre a porta para reescreverem suas histórias, oferecendo um vislumbre de esperança e a chance de finalmente serem felizes.

À medida que Jack se despede dos elementos de sua antiga vida, o retrato sensível de Jacob Tremblay ressoa com o poder duradouro das fábulas, sugerindo que mesmo após enfrentar o pior, a luz do entendimento e do amor pode iluminar o caminho para novos mundos e novos começos. Essa sensação de renovação e a crença em finais felizes, mesmo que imperfeitos, são o que tornam “O Quarto de Jack” uma experiência cinematográfica única e inesquecível.


Filme: O Quarto de Jack
Direção: Lenny Abrahamson
Ano: 2015
Gêneros: Thriller/Mistério
Nota: 9/10