Ser humano adora um dilema existencial. Desde que se meteu a filosofar, descobriu não saber muito bem quem é, de onde vem, aonde vai nem o que quer. Anda em bando para garantir a sobrevivência e se sentir identificado, mas não aceita a ideia de ser igual a todo mundo. Procura exclusividade, mas não ao ponto de se tornar ridículo. Quer ser único, mas apenas até se tornar interessante. Em suma, perplexidades são a especialidade de sua casa.
Em meio aos dilemas, fato é que o medo de parecer ridículo frequentemente lhe passa uma rasteira. Medo de ser um polvo bailarino sambando entre soldados, ou o estampido ensurdecedor que interrompe a orquestra, como se a existência pudesse ser orquestrada de alguma forma. Que ilusão…
A vida é quase séria. Quase convence, quase engana e, traiçoeira, quase nos faz de trouxas dentro de sapatos pequenos, ternos quentes, apartamentos mofados e sutiãs apertados. Dá para passar uma vida inteira vestindo a caraça de alguém importante e sensato, como se fosse possível ser qualquer dessas palermices num universo devorador. Crer-se algo importante é desconhecer a si e ao mundo numa tacada só.
É bem verdade que ter consciência da verdade é fundamental. Conhecê-la é a melhor forma de transgredi-la, de se indispor com sua frieza e intemperança da forma mais eficaz. Conhecer a verdade, porém, não é conhecer cada país ou mente, cada linha da história ou da ciência, mas conhecer a si. Entretanto é preciso cuidado, a jornada é perigosa e altamente contraindicada para quem não suporta sentir-se escarnecido.
Sinto dizer, mas todo mundo é ridículo. Você aí, caladinho, olhando para o chão; você, que berra para contar qualquer história sem graça; você, que sonha em ser juiz, que está juntando dinheiro para conhecer a Torre Eiffel; você, que está fazendo tricô em frente à TV, que come brigadeiro escondido quando está sozinho; você, que fuma de vez em quando para relaxar, que chora vendo comercial de banco… Acredite, meu amigo, você é um poço de chacota.
Ninguém é para o mundo o mesmo que é para si. Para cada um que se crê quase sério, nesta quase séria vida, há alguém que o considera estúpido. Tem gente que acha ridículo ser polido; tem polido que acha ridículo ser espalhafatoso; tem espalhafatoso que acha ridículo ser carola; tem carola que acha ridículo ser feliz; tem feliz que acha ridículo ser homem de negócios; tem homem de negócios que acha ridículo quem posta foto com legenda de filósofo… Escapa ninguém, meu povo. Tire o cavalinho da chuva, que ser ridículo é só uma questão de perspectiva. Acredite, você já o é.
A única possibilidade de superar essa pancada é deixar de viver para plateia, dar a própria mão direita à esquerda e dar-se suporte da melhor forma possível. Elevar-se dentro do que se acredita correto, dentro dos valores que individualmente importam. É não se sabotar querendo caber numa caixa que outras pessoas cuidadosamente construíram para arruinar a autenticidade que quem se atreva a entrar lá. Tentar parecer interessante para os outros é ser ridículo em dobro.
“Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar”, concluiu Nietzsche, provavelmente depois de se sentir risível, grotesco e caricato. Nem todo mundo entende que asas não são fantasia e que tê-las é a maior prova de libertação. Ridículo mesmo não é ter asas, é o medo de parecer ridículo aos olhos de quem não sabe voar.