Refilmar uma obra pode ser um desafio tão grande quanto criar algo completamente novo. Em 2018, Gustav Möller apresentou “O Culpado” com uma abordagem direta e sem adornos, destacando o lado humano da polícia. Três anos depois, Antoine Fuqua retomou o mesmo material, trazendo seu toque pessoal para a história, mantendo-a relevante e envolvente.
Fuqua optou por seguir a linha de que “em time que está ganhando não se mexe”. Com um roteiro adaptado por Nic Pizzolatto, o filme oferece uma narrativa que lança luz sobre questões complexas e frequentemente ignoradas, como o impacto emocional e psicológico que situações de alta tensão causam nos profissionais de segurança pública. Ao invés de focar nos procedimentos padrão das corporações, Fuqua e Pizzolatto preferem explorar o desequilíbrio emocional de um policial em um cenário atípico. Mesmo com treinamento e autocontrole, o filme sugere que todos têm um lado humano que pode ser exposto em situações extremas.
Jake Gyllenhaal interpreta Joe Baylor, um detetive em desgraça, trabalhando em uma central de chamadas de emergência durante uma caótica noite em Los Angeles. Pequenos detalhes, como seu uso constante de um inalador para controlar a asma, adicionam uma camada de vulnerabilidade ao personagem, humanizando-o. Gyllenhaal traz para a tela um homem comum, cheio de falhas, muito diferente dos heróis impecáveis que muitas vezes vemos no cinema. Mesmo em um papel aparentemente degradante, Baylor não deixa de demonstrar seu instinto investigativo e seu desejo de fazer o que é certo, apesar de seus erros.
O filme ganha sua tensão a partir de um telefonema angustiante de Emily, interpretada por Riley Keough, cuja voz é a única coisa que a torna presente no filme. Através de sua performance vocal, Keough consegue transmitir uma gama de emoções e traços de personalidade que tornam Emily uma personagem complexa e interessante. A interação entre Baylor e Emily é conduzida de maneira que o detetive tenta seguir os protocolos, fazendo perguntas que exigem respostas simples. No entanto, a determinação de Baylor em ajudar Emily o leva a uma série de descobertas e decisões precipitadas, revelando um lado impulsivo e pouco profissional.
A trama desenvolve-se de maneira a explorar o emocional do protagonista, enquanto ele lida com suas próprias falhas e tenta, de alguma forma, encontrar redenção. Fuqua utiliza esse conflito interno para construir um suspense psicológico que lembra os melhores trabalhos de Alfred Hitchcock. Comparações podem ser feitas com clássicos como “Janela Indiscreta” e “Um Corpo que Cai”, mas “O Culpado” mantém sua originalidade ao explorar temas contemporâneos e relevantes.
Baylor é um anti-herói, um personagem que não é apenas moralmente ambíguo, mas também profundamente falho. Sua busca por redenção é complexa e, muitas vezes, equivocada. Ele acredita que salvar Emily é uma forma de se redimir de seus próprios erros, tanto profissionais quanto pessoais. Essa necessidade de redenção o leva a tomar decisões questionáveis, destacando seu lado mais humano e vulnerável. O filme não oferece soluções fáceis ou finais redentores; ao contrário, deixa o público com uma reflexão sobre a fragilidade humana e as complexidades da moralidade.
Em “O Culpado”, na Netflix, Fuqua entrega um thriller psicológico que se destaca pela profundidade emocional de seus personagens e pela habilidade de Gyllenhaal em capturar a dualidade de seu papel. A narrativa é um mergulho na psique de um homem em crise, enfrentando as consequências de suas ações em um mundo que não é preto e branco, mas repleto de nuances. É um retrato fiel de como, mesmo em suas melhores intenções, as pessoas podem se perder em seus próprios demônios e falhas.
Filme: O Culpado
Direção: Antoine Fuqua
Ano: 2021
Gênero: Suspense
Nota: 9/10