Divórcios costumam ser experiências extremamente dolorosas para as crianças envolvidas, muitas vezes causando uma sensação de desmoronamento em seu mundo. Apesar disso, essa ruptura pode ser menos prejudicial do que viver em um ambiente doméstico disfuncional, repleto de conflitos entre pais que já não conseguem conviver pacificamente. Derek Cianfrance, um cineasta autodidata do Colorado, Estados Unidos, teve um encontro precoce com o mundo do cinema, começando a fazer filmes aos 13 anos. Aos 20, testemunhou a crise no casamento de seus pais, evento que marcaria profundamente sua trajetória. Em 1998, canalizou essa experiência para escrever o roteiro de “Blue Valentine”.
O caminho até que o filme se materializasse, no entanto, foi longo. Um dos obstáculos foi a trágica morte de Heath Ledger, o que resultou em um atraso de dois anos nas filmagens. A equipe respeitou o tempo de luto de Michelle Williams, a protagonista, aguardando até que ela estivesse pronta para retomar o trabalho. Após 13 anos de produção, “Blue Valentine” finalmente trouxe ao público uma representação dos profundos traumas familiares de Cianfrance, personificados nos personagens Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams).
Esta não é uma narrativa tradicional de romance com um final feliz ou trágico. Em vez disso, o filme explora as falhas dos relacionamentos conjugais. Retratado em duas linhas temporais, a história acompanha Dean e Cindy desde o momento em que se conhecem e se apaixonam até seis anos depois, quando estão casados e com uma filha de três anos. No início, Cindy é uma estudante de medicina independente e cheia de vida, enquanto Dean se apaixona por ela à primeira vista. Ele se dedica a conquistá-la, cativado por sua presença em um asilo de idosos.
Anos mais tarde, após o nascimento inesperado de sua filha, Cindy trabalha arduamente como enfermeira para sustentar a família, enquanto Dean se ocupa com trabalhos braçais e cuida da casa. Para ele, o casamento representa uma âncora de estabilidade; para Cindy, tornou-se uma espécie de prisão. Ela se vê frustrada com a direção que sua vida tomou, atribuindo a culpa ao casamento e, em particular, a Dean, que parece acomodado em sua rotina. Com a passagem do tempo, Cindy sente que o casamento a afastou de seus sonhos de ser médica, alcançar sucesso financeiro e obter realização pessoal. A atração pelo marido desvanece, e ela se sente presa e sufocada.
O filme mergulha nos altos e baixos do relacionamento do casal, tentando entender onde as coisas começaram a desmoronar. Assim como na vida real, é difícil encontrar uma resposta clara, pois muitas vezes não há um único evento desencadeador, mas uma série de pequenas ações e omissões. Através de sua própria experiência, Cianfrance explora as realidades de muitos casais que, após o encantamento inicial, enfrentam os desafios cotidianos de manter uma relação. O filme destaca que encontrar alguém para amar não é suficiente para garantir a felicidade; é necessário cuidar da convivência, vida sexual, finanças e expectativas.
Dean, por sua vez, também se sente frustrado, pois esperava uma esposa que se dedicaria ao lar de maneira tradicional. Cindy, no entanto, não corresponde a essa expectativa. Ainda assim, ele se esforça para manter o casamento, acreditando na instituição como algo superior e merecedor de esforço. Ryan Gosling e Michelle Williams interpretam seus papéis com uma autenticidade palpável, resultado de terem passado um mês juntos, vivendo como uma família em uma casa modesta. Essa experiência de convivência trouxe a intimidade e a tensão necessárias para dar vida aos personagens.
“Blue Valentine”, na Netflix, é um filme que desmonta as ilusões de um amor romântico idealizado, apresentando uma visão mais realista e crua da vida a dois. É uma obra que desafia as expectativas do público e introduz um olhar sincero sobre as complexidades do casamento.
Título: Blue Valentine
Direção: Derek Cianfrance
Ano: 2010
Gênero: Romance / Drama
Nota: 9/10