Uma das mais importantes obras-primas de Almodóvar, filme na Netflix vai impactar sua vida profundamente Divulgação / Synapse Distribution

Uma das mais importantes obras-primas de Almodóvar, filme na Netflix vai impactar sua vida profundamente

O amor, em sua essência, pode frequentemente se misturar com elementos trágicos. Esse sentimento, que é o mais genuinamente humano, pode desviar-se para cenários que não são necessariamente românticos ou inspiradores, mas ainda assim, permanece sendo amor. Mesmo quando se torna obsessivo ou psicologicamente perturbador, ainda se trata de uma forma de amor.

Separar o que é amor de suas manifestações patológicas é um desafio, especialmente porque o amor pode assumir formas pouco convencionais, atraindo julgamentos daqueles que são rápidos em criticar. Não se trata de aceitar tudo em nome do amor, sem qualquer julgamento moral, mas sim de examinar como esse sentimento pode impactar a vida de alguém que enfrenta uma solidão insuportável.

Nesses casos, o que se acredita ser amor pode ser apenas uma ilusão, uma força devastadora que não poupa ninguém, deixando um rastro de dor e desolação. Quando tudo parece perdido, o apaixonado se agarra ao que restou de suas emoções, como uma última tentativa de preservar o que resta de sua dignidade.

Pedro Almodóvar, um mestre em retratar o amor no cinema, traz em “Fale com Ela” (2002) um lado diferente de sua obra. O filme começa com uma atmosfera melodramática, quase cômica, apresentando dois homens assistindo a um espetáculo de dança.

No palco, a coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009) se movimenta como se estivesse cega, sendo auxiliada por um homem que retira os obstáculos de seu caminho. À medida que a narrativa avança, somos apresentados aos espectadores: um jornalista e um enfermeiro, um com uma fachada dura e o outro mais sensível. Marco Zuluaga e Benigno Martín, movidos pelo que testemunham no palco, mostram suas emoções, o que simboliza o amor que acaba ou, pior, o amor não correspondido. A direção precisa de Almodóvar deixa claro, desde o início, a troca de papéis que ocorrerá entre os dois personagens ao longo do filme.

Marco, acostumado à solidão, conhece Lydia González, interpretada de forma magnética por Rosario Flores, em um bar. Lydia, uma famosa toureira espanhola, está lidando com um divórcio traumático, e é nesse vazio emocional que Marco encontra uma brecha. Tentando entrevistá-la, Marco encontra uma mulher forte, mas momentaneamente vulnerável. Ela concorda em conversar durante o trajeto até sua casa, onde se despedem, sem planos claros de se reencontrarem.

Quando Marco está prestes a sair, ele ouve os gritos de Lydia, que, apesar de sua coragem na arena, se revela assustada por um animal menor. Ela volta para o carro, dizendo que não pretende retornar àquela casa, como se estivesse amaldiçoada. A vida de Lydia sofre uma reviravolta dramática, e ela acaba em coma, ao lado de Alicia Roncero, uma bailarina em estado vegetativo, interpretada por Leonor Watling, e cuidada por Benigno.

Nesse ponto, Almodóvar aprofunda a narrativa, revelando uma história mais sombria e complexa, onde a violência é apenas sugerida, mas profundamente perturbadora. Fica cada vez mais claro o interesse distorcido de Benigno por Alicia, que, incapaz de responder, se torna vítima de sua obsessão. Enquanto Alicia permanece em coma, Lydia não sobrevive.

Marco, que nunca se apegou realmente a Lydia, continua a visitar Alicia, desenvolvendo uma amizade com Benigno, refletindo sobre suas próprias vidas solitárias. A grande reviravolta no enredo, que liga Alicia, Benigno e Marco, mostra a intenção de Almodóvar de explorar questões morais profundas, deixando ao público a tarefa de julgar.

Almodóvar demonstra uma habilidade singular em abordar temas polêmicos com uma leveza notável. Ele transforma grandes tragédias em narrativas marcantes que definem sua carreira. “Fale com Ela”, na Netflix, é uma obra que permanece relevante, devido à sua abordagem crua e honesta.


Filme: Fale com Ela
Direção: Pedro Almodóvar
Ano: 2002
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 10