Amores fenecem à bruma corrosiva do tempo, mas como se assiste em “18 Anos Depois”, há quem consiga dobrar o grande carrasco da natureza humana e, de alguma maneira, manter aceso o sonho de sobrepujar a própria vida e ver mais do que a si mesmo. Michihito Fujii, um dos diretores mais talentosos e competentes do novo cinema japonês, transforma em sofisticada poesia as emoções da morte, dor, mágoa, inconformidade, revolta com as trapaças do destino, realçando que só pode-se achar a resposta para uma das questões mais intrigantes a torturar a humanidade desde sempre buscando-a nos lugares certos, entre as pessoas que as terão. O roteiro de Fujii e Hirokawa Hayashida vai e volta, irreverente ao curso orgânico dos acontecimentos, mas judicioso quanto a não passar por cima de nenhum lance mais sutil numa história que prima pela delicadeza, bem ao gosto dos romances malogrados que ficam na lembrança pela eternidade.
O coração é um porto de onde zarpam e aonde chegam milhares de sensações novas todos os dias. Não há nada mais corriqueiro na vida do homem do que a própria banalidade, uma batalha perdida que insistimos em travar com os fantasmas menos óbvios que habitam nossas profundezas mais inacessíveis. Pensamos, uns mais, outros menos, mas todos, sem exceção, sobre se é possível voltarmos ao que fomos, se podemos ter outra vez os desejos que eram nossa própria essência. Perdemos horas de sono, que costumam se estender para o expediente de trabalho, elucubrando, tecendo digressões as mais insanas acerca de como teria sido nossa jornada se houvéssemos tomado essa ou aquela decisão a respeito de tal ou qual assunto.
Fujii e Hayashida tomam por ponto de partida os registros de Jimmy Lai, sem dúvida um homem tarimbado sob muitos aspectos, para chegar a um garoto ambicioso, mas sensível, que passa as férias de verão anteriores à última série do ensino médio trabalhando num caraoquê decadente deTainan, cidade ao sul de Taiwan. Na primeira sequência, Jimmy, aos 36 anos, é o fundador e presidente de uma companhia de jogos que acaba de ser destituído de suas funções pelo conselho administrativo da empresa. Ao longo da extenuante jornada de autoconhecimento do garoto, feita de muitos outros tropeços, frustrações, pobreza severa, fome, surge-lhe no caminho Ami, que não fala mandarim e torna-se sua colega.
As manobras estilísticas do diretor atordoam, decerto, mas as performances empenhadas de Greg Han Hsu e Kaya Kiyohara sempre dão um jeito de incluir o espectador até nos momentos mais herméticos de filme especialmente denso. “18 Anos Depois” é uma maneira bastante perspicaz que Michihito oferece à audiência para alcançar conclusões sobre seus próprios mistérios, afora um laivo de autoajuda e marketing sobre Jimmy Lai, o magnata da mídia de Hong-Kong que acabou condenado a cinco anos e nove meses de prisão por fraude, sob a acusação de ter quebrado o contrato de aluguel da sede do “Apple Daily”, que ele dirigia — o que exacerbou as suspeitas de ingerência política em veículos de comunicação no território.
Filme: 18 Anos Depois
Direção: Michihito Fujii
Ano: 2024
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10