O filme mais esperado do ano: superprodução de Zack Snyder, que acaba de estrear na Netflix, ganhou 1 hora de cenas inéditas Clay Enos / Netflix

O filme mais esperado do ano: superprodução de Zack Snyder, que acaba de estrear na Netflix, ganhou 1 hora de cenas inéditas

O espaço é vasto demais para ser governado por homens mesquinhos, assombrosamente ineptos, cuja visão míope acerca da vida acaba por fomentar insurreições de consequências imprevisíveis espalhando-se de galáxia em galáxia até que tudo redunde num enorme buraco negro. Zack Snyder encontra um novo jeito de destrinchar a saga, exacerbando o caráter maldito de um universo paralelo cheio das emoções que todos conhecemos em sua versão, idiossincrásica e colérica, de “Rebel Moon — Parte 1: A Menina do Fogo”. 

Em “Rebel Moon — Parte 1: Corte do Diretor”, Snyder continua a investir na fantasia, marca registrada em seu trabalho, falando com ainda mais virulência sobre tipos marginais dotados de charme invulgar, inteligência acima da média, muito senso de humor e uma personalidade gauche e magnética. Aqui, o roteiro do diretor, Shay Hatten e Kurt Johnstad realça a ganância de soberanos ávidos por expandir seus domínios abusando dos tons sombrios da fotografia do próprio Snyder, mais uma prova de que ele fez questão de botar a mão na massa e deixar tudo a seu gosto.

Um novo Mundo-Mãe colapsa depois do assassinato de seu rei e rainha, e as lutas fratricidas por poder tratam de minar a disposição do povo para reagir. O senador Balisarius, o novo regente, envia seu general mais atroz para perseguir os que não se conformassem com a ascensão do novo reino,  os rebeldes do título. Começa um tempo de incerteza, selvageria e fome, um processo gradual, mas contínuo, de subjugação, que, por outro lado, vai fortalecendo a resistência. Os camponeses que habitam Veldt, uma terra ainda próspera, são liderados por Sindri, o titânico e encardido personagem de Corey Stoll, cuja caracterização lembra um ciclope da mitologia grega. 

Apesar de toda a imponência, Sindri não tarda a fenecer, derrotado pelo almirante Atticus Noble, de Ed Skrein, um tipo muito mais diáfano, dado aos achaques próprios de seu temperamento marcial, mas astuto, e respaldado por um exército muito bem-treinado e com um farto arsenal ao seu dispor. Já no primeiro ato, Snyder acrescenta as cenas de confronto com hectolitros de sangue, nudez gráfica e sexo entre palavras de baixo calão, tantas que o filme acabou por ganhar uma hora a mais, chegando aos 204 minutos.

Ao contrário do que sói acontecer, a duração aumentada de “A Menina do Fogo”, entretanto, mais favorece que atrapalha a narrativa. O diretor demonstra traquejo ao casar os momentos em que Kora, uma agricultora franzina, sai à cata dos raros guerreiros que entendem que sua única chance de sobrevivência é combater o novo déspota e seus homens — embora ninguém ignore que muitos não ficarão para ver o fim da história — ao andamento cataclísmico, numa reafirmação entre cínica e poética de sua descrença neste nosso mundo. Sofia Boutella continua a aparecer como uma heroína misteriosa, cuja jornada remonta a um período anterior de mais serenidade e aprendizado. No Mundo-Mãe agora extinto, Kora, sempre batendo-se contra seus próprios fantasmas, viaja com uma comitiva de soldados a Sharaan, planeta natal do rei Levítica, na intenção de convencer o monarca a dar-lhe seu apoio. 

Snyder chega a negligenciar o enredo, dando a audiência só um gosto, e avisando sobre a segunda parte de sua distopia sobre o neofascismo. Em entrevistas recentes, o diretor afirma ter trocado um ou outro evento de lugar, na intenção de estimular a audiência. Além de conseguir a proeza de uma sutil metamorfose, com sua interpretação solitária e ácida do que é a vida e seus descaminhos por olhos de invencível consternação, ele também nos fala a respeito de um carrossel incandescente, lindo e perigoso, que mantém todos nós girando e girando, a mercê do sátrapa da vez.


Filme: Rebel Moon — Parte 1: Corte do Diretor
Direção: Zack Snyder
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Fantasia
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.