“Código de Conduta” subverte algumas lógicas dos thrillers em que psicopatas aterrorizam cidades já tomadas pelo medo e pela paranoia. Para princípio de conversa, F. Gary Gray, como se poderia esperar, escolhe para mocinho não um típico galã, jovem e fotogênico, mas Jamie Foxx, sempre impecável em ternos feitos sob medida, a quem incumbe a hercúlea tarefa de segurar a audiência ao longo de 110 minutos de uma história cheia de altos e baixos.
Depois, libera Gerald Butler para chutar o balde e fazer tudo quanto veda ao personagem de Foxx, dando vida a um dos matadores em série mais ardilosos do cinema, comparável ao Hannibal Lecter de Anthony Hopkins em “O Silêncio dos Inocentes” (1991), dirigido por Jonathan Demme (1944-2017), ou o sicário sem nome de Michael Fassbender em “O Assassino” (2013), de David Fincher, também eternizado. Gray investe na dobradinha de seus dois astros, e Kurt Wimmer elabora cenas uma mais instigante que a outra para que os dois possam esgrimir à vontade, numa longa (mas nunca tediosa) disputa de egos.
Nicholas Rice, o promotor público encarnado por Foxx, rompe o filme como um advogado talentoso e cheio de ambições que tenta livrar a Filadélfia de traficantes, proxenetas e mafiosos de toda ordem, categorias nas quais Clyde Shelton não se inclui. No longo prólogo, o personagem de Butler aparece voltando do trabalho para casa, onde é recebido pela esposa e a filha pequena, de Brooke Stacy Mills e Ksenia Hulayev, e na sequência um homem bate à porta, entra e mata as duas, sem muita cerimônia.
Passados dez anos, Rice é um dos homens mais influentes da Pensilvânia, incorruptível como sempre e equilibrando-se entre o zelo profissional e o dia a dia com Kelly, a esposa vivida por Regina Hall, e Denise, a filha, de Emerald-Angel Young. Por outro lado, no transcurso de uma década fechado numa cadeia de segurança máxima, Shelton teve roubada toda a humanidade, e só não sucumbiu graças ao plano de vingança que foi elaborando — se sozinho ou com a ajuda de gente da polícia e do Judiciário é a grande pergunta a que Gray jamais responde.
É por aí que o diretor vai conferindo personalidade a seu trabalho. A cena em que Butler define o caráter doentio de Shelton, quando se disfarça de policial e captura Jonas Cantrell, o bandido que arruinara sua vida, para submetê-lo a uma sessão de tortura com direito a decepamento das pálpebras e dos órgãos genitais, é um prato cheio numa trama dessa natureza, sem ser gratuita. Ao passo que o vilão caricato de Bruce McGill desaparece, Colm Meaney vai ganhando importância na pele do detetive Dunnigan, em quem olhares bem-treinados descobrem motivo para suspeitas —ou seria apenas um efeito colateral da Lei da Economia de Personagens? Pode ser, mas, de novo, não me conformo com o desperdício de Viola Davis, aqui numa aparição sem graça como a prefeita April Henry, uma pálida simbologia acerca da lorpice dos homens e mulheres que nos governam (e, por extensão, da democracia) frente aos lobos que nos devoram, metafórica e literalmente.
Filme: Código de Conduta
Direção: F. Gary Gray
Ano: 2009
Gêneros: Thriller/Ação
Nota: 8/10