A vida até parece uma festa em Dorothy Parker

A vida até parece uma festa em Dorothy Parker

“Big Loura e Outras Histórias de Nova York”, da escritora norte-americana Dorothy Parker, acaba de ser relançado pela Companhia das Letras, com seleção, tradução e apresentação de Ruy Castro. Os 20 contos foram originalmente publicados entre 1920 e 1930. A última edição brasileira era de 1990.

É um mistério como pudemos ficar tanto tempo sem uma renovação de formato. Como é um mistério perceber que a tradução manteve estruturas como “lembre-me de ir visitá-la” e coisas assim, em vez de propor alguma mudança que tornasse a leitura mais fluída e coloquial.

Big Loura e Outras Historias de Nova York
Big Loura e Outras Histórias de Nova York, de Dorothy Parker (Companhia das Letras, ‎ 256 páginas)

Os personagens de Dorothy Parker, apesar de pertencerem a uma determinada época e a um determinado local, não são necessariamente esnobes, embora possam parecer diletantes e aristocráticos. Eles trafegam por uma cidade que sempre foi associada ao umbigo do mundo.

Eles são a princípio dândis preocupados em se divertir, enchendo a cara com os amigos, em festas esticadas noite após noite, com intervalos de tomadas de consciência, também conhecidos como ressaca. As garotas não ficam atrás em seus desejos insaciáveis por álcool e companhia.

São raros os momentos, em Dorothy Parker, em que um drinque não venha a ser requisitado com ênfase e volúpia, com ou sem gelo. A euforia mantida em paraísos artificiais degringola facilmente em cenas de humor refinado, por encontros e desencontros que geram um burburinho encantador e aparentemente inofensivo.

Ainda que seja duvidoso imaginar que tamanha dedicação à exaltação dos sentidos não termine em alguma espécie de tortura psicológica. Neste sentido, Dorothy Parker não ameniza a dor de cabeça. A cobrança vem na forma de uma solidão quase que intransponível.

A futilidade cômica da superfície revela nas entrelinhas comportamentos agressivamente inadequados, que deixam na boca um sabor agridoce. Isso quando a narradora não mergulha fundo na mesquinharia dos corpos que precisam de um vapor barato para anestesiar a capacidade de se ver no espelho.

A espirituosidade de Dorothy Parker reside, muitas vezes, na observação da decadência com um toque de gentileza que evite, para todos os efeitos, a degradação em seu estado bruto. E, no entanto, suas histórias curtas, com poucos participantes, em cenários opacos, são como esquetes ligeiros que seriam absorvidos por encenações no rádio ou na TV. Ela teria sido uma excelente roteirista de sitcom, não tivesse enveredados pelos roteiros de Hollywood.

A cronista não relega o sexo ao segundo plano, sendo bastante incisiva na barganha dos poros, mas sem os detalhes da intimidade alheia. A ideia comumente difundida de que a vida é uma festa serve aos encantos efusivos de Dorothy Parker, cuja originalidade é abrir a cortina no dia seguinte e deixar entrar o sol com suas inconveniências sobre o retrato desgastado da vida.