A perplexidade se prolonga muito tempo após assistir a “Zona de Interesse”, um retrato chocante do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Rudolf Franz Ferdinand Höss (1901-1947) figura entre os muitos que personificaram a brutalidade do regime instaurado por Adolf Hitler (1889-1945) após sua nomeação como chanceler da Alemanha, em 30 de janeiro de 1933, pelo presidente Paul von Hindenburg (1847-1934), que faleceu em 2 de agosto de 1934.
Höss, no entanto, se destacou entre os membros do Terceiro Reich — o Reich de Mil Anos, que, felizmente, durou apenas “doze” —, como um dos mais representativos do que a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) denominou banalidade do mal. Este conceito, utilizado para explicar a extensão das políticas monstruosas do regime hitlerista, ainda hoje revela detalhes sutis e quase imperceptíveis. O tenente-coronel Höss conduzia suas atividades com tal precisão e frieza que preferia morar a poucos metros do campo de concentração de Auschwitz II–Birkenau, de onde ninguém escapava da chamada Solução Final para a Questão Judaica.
O roteiro de Glazer, baseado no romance homônimo do britânico Martin Amis (1949-2023), publicado em 2014, utiliza elementos visuais para ajudar o público a distinguir os diferentes ambientes, tornando-o, em certa medida, cúmplice da psicopatia dos Höss. À medida que sons como murmúrios oprimidos se intensificam e infiltram-se pela casa, ecoando a quilômetros de distância, tornam-se audíveis os gritos dos desafortunados que pereciam nas câmaras de gás de Auschwitz, onde suas últimas tentativas desesperadas de fuga ficavam gravadas nas paredes.
Uma das primeiras reflexões suscitadas pelo filme é sobre o possível oportunismo. Para alguns, pode parecer desnecessário revisitar uma história já tão resolvida para os alemães e até para alguns judeus, especialmente sem apresentar novas provas ou personagens desconhecidos. Contudo, desde o início do filme, a relevância de revisitar o passado é evidente. Os Höss, uma família aparentemente comum, aproveitando um dia ensolarado no bosque próximo à sua residência, buscavam o que todos buscam, o que explica sua sedução por Hitler.
“Zona de Interesse” impressiona pela estética de limpeza. A fotografia de Lukasz Zal utiliza luz natural ao longo dos 105 minutos do filme, que poderiam facilmente se estender por mais uma hora. O público é apresentado aos personagens principais de maneira íntima e reservada. Höss é destacado, contemplando a paisagem, até que todos retornam ao seu refúgio. Ao longe, uma nuvem de fumaça preta, acompanhada de ruídos sinistros, se aproxima, mas eles a ignoram.
Mais tarde, Höss aparece não com o uniforme da SS, mas em um impecável terno branco. Sua esposa, Hedwig Hensel (1908-1989), surge em um vestido cor-de-rosa, amplificando a atmosfera farsesca e repulsiva. Christian Friedel e Sandra Hüller dominam seus papéis, retratando uma indiferença perturbadora ao que acontecia ao redor. Glazer desenvolve a relação entre eles como uma comédia de vaudeville, celebrando aniversários e Natais enquanto a morte injusta e indigna ocorre a poucos metros de distância.
A provocação do diretor-roteirista persiste até o desfecho do filme, quando a edição de Paul Watts nos transporta para o Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau dos dias atuais, onde os pertences dos prisioneiros são exibidos em nichos separados por grossas vidraças. Oitenta anos depois, esses artefatos permanecem como testemunhas silenciosas da tragédia.
A dualidade entre a dureza da História e a poesia da arte, a urgência da verdade e a dissimulação, é o ponto central de “Zona de Interesse”. Embora estejamos livres de Auschwitz, os muitos algozes que se alimentam de seus escombros ainda persistem.
Filme: Zona de Interesse
Direção: Jonathan Glazer
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 10