Tão logo abre os olhos para o mundo, o homem principia uma caminhada ao incerto. Não somos senhores de ninguém nem de nada, nem de nossas próprias vidas, malgrado, por absurdo que soe, haja quem não só trate sua passagem pelo plano da matéria feito o cronograma de uma multinacional, sem margem alguma para deambulações de qualquer natureza, como dilata esse pérfido expediente às outras pessoas — mormente às mais frágeis, cuja alternativa mais judiciosa é mesmo submeter-se. Por óbvio, nem sempre esses grupos ditos minoritários conformam-se em ser tiranizados, e destarte nascem as flores do mal que revestem os campos de toda a Terra.
O terror no cinema tem se mostrado cada vez mais dinâmico, tomando por fundamento assuntos os mais amplos, e aí começa a se tornar mais clara a ideia sobre mais uma vez se investir numa boa história, ainda que passados oito anos. “O Homem nas Trevas 2”, do uruguaio Rodo Sayagues, mantém, claro, a essência do original do compatriota Fede Alvarez, mas nota-se aqui uma e outra pincelada de novidade quanto à força de Norman Nordstrom, o veterano que perdera a visão em combate na Guerra do Golfo (1990-1991) vivido por Stephen Lang. Se antes defendia a milionária indenização pela morte da filha, o calvário de Nordstrom agora é afastar da casa escura e algo degradada num bairro da periferia de Detroit criminosos ainda mais desumanos que querem tirar dele um tesouro ainda mais valioso.
No filme de Alvarez, uma pequena gangue de três assaltantes — Rocky, Money e Alex —, dá trabalho à polícia graças à destreza com que realiza furtos a residências enquanto seus moradores saem em férias. Ao descobrir que um homem já entrado em anos, e cego, recebe uma vultosa herança por conta da morte da filha — e que guarda a bolada em sua casa —, eles vão para o tudo ou nada. O alvo tem grande experiência com armas e em combater inimigos, predicados que fazem desse aparentemente inofensivo velhinho uma verdadeira máquina de matar — e é nesse ponto que a narrativa cresce. Uma vez que têm o azar de invadir a casa dele, os bandidos se tornam completamente vulneráveis e quem passa a dar as cartas é o ameaçado, senhor absoluto de seu território. O espectador também cai, com gosto, na armadilha preparada por Alvarez, e se põe a conjecturar sobre quem é menos vil na história.
Não por acaso, Alvarez coassina o roteiro com Sayagues e os dois logo chegam a um consenso: mostrar Nordstrom como um homem que usa sua deficiência como o predicado que o qualifica para este novo desafio. Lang segue certeiro na pele de um homem amargurado, mas justo e misericordioso, que resolve abrir o mausoléu onde se enterra em vida com Shadow, o rottweiller que roubara a cena no longa de 2016, a Phoenix, a órfã que resgatara do fogo e criara como sua filha. Como uma maldição, Phoenix atrai o bando liderado por Raylan, e então “O Homem nas Trevas 2” passa a orbitar em torno desse trio, com Madelyn Grace contracenando com o protagonista em momentos de insólita e (bem-vinda) ternura, e Brendan Sexton 3º, caçador e caça.
O grande encanto no trabalho de Sayaguesé explorar o que Alvarez já havia dito e achar no primeiro longa um jeito de tornar crível o seu desdobramento para a saga de Nordstrom, menos só. Essa poesia vaga não toma o lugar da natureza cruenta de antes, e eis é o grande pulo do gato dessa continuação, violenta e quase filosófica.
Filme: O Homem nas Trevas 2
Direção: Rodo Sayagues
Ano: 2021
Gêneros: Suspense/Terror psicológico/Ação
Nota: 8/10