Alan Bender é um grande talento para resolver problemas alheios — e uma negação para lidar com as enrascadas da vida familiar em que se mete. Enquanto medeia a solução de sequestros intrincados, durante os quais o agressor pode ir para o tudo ou nada numa fração de segundo sem dar explicações prévias, Bender não tem esposa ou filha e só pensa em como sair dali em segurança e no menor tempo possível, mas o protagonista de “Nem Tudo é Negociável” conhece muito bem suas fraquezas, até se esforça para ser um pai e marido comum, mas é fora da curva onde se sente mais confortável.
Num trabalho que amalgama humor nonsense e ritmo em proporções generosas e harmônicas, Juan Taratuto apresenta um anti-herói meio ingênuo, atrapalhado, bem ao gosto latino, tentando consertar o mundo, talvez um Chapolin Colorado mais sujo. Argentino radicado no México, Taratuto não se intimida com patrulhas e desvenda os segredos desse homem cordial nas mais variadas acepções, reservando bastante espaço para um episódio específico em sua rotina profissional.
A sequência de abertura localiza o espectador. Bender é chamado a ajudar no resgate de uma senhora, feita refém pelo ex-genro. É a ocasião perfeita para que o diretor ponha na boca de seu personagem central os motes sobre a inconveniência das sogras, e aproveite o embalo para, afinal, entrar em sua intimidade. Mauricio Ochmann vai dando as condições para que o público construa seu juízo acerca do torturado Bender, às voltas com problemas com a esposa Victoria, a psiquiatra vivida por Tato Alexander, justamente por nunca conseguir desvencilhar-se da polícia. Se durante o expediente é obrigado a encontrar a maneira mais adequada para dirigir-se a Menéndez, o investigador gago de Leonardo Ortizgris, ao chegar em casa tem o dever moral de chegar a uma conclusão definitiva sobre o cada vez mais provável caso extraconjugal de Victoria com o personal trainer. E sua descida ao inferno nem começou.
Sem abrir mão de lances cômicos, Taratuto envereda pelo suspense ao mencionar a participação de Bender na ocorrência mais obscura de sua vasta carreira. Ao chegar à alcova onde costuma se encontrar com a amante, uma deputada da oposição, com quem sustenta um caso de anos, o presidente do México, é mantido em cativeiro com a parceira de folguedos amorosos, os dois em roupas de baixo. Para piorar, é nesse ambiente que o negociador consegue afinal a avassaladora certeza sobre a conduta desleal da esposa, e tal verve tragicômica do filme é conservada até o encerramento, com um Bender mais e mais rendido ao descrédito de tudo, mas sempre passional. Em muitas circunstâncias, a razão só faz atrapalhar mesmo.
Filme: Nem Tudo É Negociável
Direção: Juan Taratuto
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Comédia/Thriller
Nota: 8/10