Para Sizenando da Silva Campos Júnior
Nos idos de 1977, ao entrar na Faculdade de Medicina, conheci um colega cuja estatura antropométrica me assustou, pois tinha 1,90m, fugindo aos padrões de estatura. Ele tinha à época 17 anos de idade, tendo recebido de seus pais o nome homônimo do pai, acrescido da denominação Júnior. Estou falando de Sizenando da Silva Campos Júnior.
Durante o curso, mantivemos uma amizade não muito próxima, porém sem ser distante. Sempre nos respeitamos a nosso modo.
Houve uma ocasião em que estudamos juntos a circulação do baço, e ele, com sua sagaz e rara inteligência, criou, através de um método mnemônico, uma maneira de aprendermos com mais razoabilidade, o que de fato aconteceu. O mais interessante é que a tal circulação se dava no trajeto entre a minha casa e a casa onde ele morava com seus pais. As ruas compreendidas nesse percurso eram nada mais, nada menos que as artérias e as veias que compunham tal circulação.
Sua serenidade muitas vezes me deixou desconcertado. Certa feita, eu entrei colérico em sua sala de Presidente da UNIMED e lhe disse: não fico aqui nem mais um minuto (eu havia me desentendido com um outro diretor pouco afeito ao trabalho). Ele me olhou e falou: “Vou resolver essa pendenga”, sem se exaltar ou questionar os motivos, me deixando enfadado. Continuou a rabiscar o papel que estava sobre sua mesa, sempre com traços ou escritos ininteligíveis, outra característica marcante desse meu amigo. Passadas algumas horas, ele realmente havia resolvido o imbróglio e, por razões que somente ele poderia dizer, me galgou a um cargo de extrema confiança.
Ninguém nunca ouviu dele lamúrias acerca de sua família ou de seus familiares. O máximo que se ouviu dele foi: “Difícil, mas vamos em busca do equilíbrio”. Durante anos, ele nos cumprimentava dizendo “rumo ao equilíbrio”, justo ele, sempre equilibrado, tendo como alicerce seu caráter fleumático e a herança genética.
Sensato em todas as suas ações, que eram muito calculadas, literalmente, antes de serem efetivadas. Homem reto, probo e impenetrável em seu âmago, contudo um péssimo contador de anedotas.
Preservava e defendia seus amigos aos quais sempre demonstrava, sutilmente, uma certa admiração. Morreu levando consigo a dor de ter sido traído por dois deles, fato que o deixou muito contrariado à época, mas que não mudou seu modo de ser com os demais.
Em agosto de 2022, ao lhe telefonar para nos encontrarmos, me confidenciou que não poderia comparecer ao nosso concílio, pois estava com diagnóstico de uma neoplasia maligna cerebral, doença essa que ele tinha experiência em tratar. Fiquei perplexo ante a fleugma dele em me contar tamanha desgraça por que fora acometido.
Sizenando era existencialista, se apegando em Nietzsche e Albert Camus.
Durante todo o tratamento, que perdurou dois anos, se manteve íntegro, resiliente e sereno, entretanto, segundo ele me confidenciou, com uma complacência bem menor. Ainda participou de muitos eventos para os quais foi convidado, como se nada estivesse acontecendo. Um indivíduo diferente, com a capacidade de lutar sem se vitimizar, até que a finitude de sua existência o alcançasse.
Que a paz esteja convosco!