Um dos filmes de língua não inglesa mais assistidos da Netflix, ação já foi vista por 54 milhões de pessoas Johan Bergmark / Netflix

Um dos filmes de língua não inglesa mais assistidos da Netflix, ação já foi vista por 54 milhões de pessoas

Guerras são marcos sombrios na trajetória humana, com capítulos escritos em sangue por aqueles que lutam para corrigir erros que não cometeram e emoldurados por vidas alheias aos conflitos. A morte, com sua força bruta e violência covarde, ceifa vidas indiscriminadamente.

Soldados corajosos, muitas vezes lutando por causas nas quais não acreditam ou desconhecem, sacrificam-se em nome de um dever cívico. Há também aqueles que participam dos confrontos sem nunca terem pisado em um campo de batalha, esforçando-se para resolver tudo da maneira mais confortável possível. Em uma guerra, mesmo que um lado tenha razões mais justas, a verdade é a primeira vítima, e somente a verdade pode salvar.

A vida está repleta de mistérios, muitos além da nossa compreensão, como observou Shakespeare, e é nesse contexto que moldamos nossa existência. Cada um de nós tenta, alguns com mais convicção que outros, mas o perigo reside justamente aí. Existem inúmeros caminhos na vida, e mesmo os mais retos podem levar à perdição.

Na Suécia contemporânea, uma guerra civil está em andamento, e ninguém parece entender o porquê. Baseado no romance de Jerker Virdborg de 2002, “Caranguejo Negro”, o thriller de Adam Berg lançado em fevereiro de 2022, conduz o espectador por um cenário de distopia crescente. Irmãos lutam em fronteiras indefinidas, sem clareza sobre onde começam e terminam os territórios.

Em meio aos absurdos da guerra, não há juízes ou mediadores para determinar métodos e sanções para quem infringe as regras. Na confusão geopolítica, não se sabe o que cada lado defende, condena ou por que continuam a lutar em vez de buscar uma solução pacífica.

À medida que a narrativa avança, com um roteiro sólido de Berg, Virdborg e Pelle Rådström, o filme se empenha em despertar no público uma aversão ao poder, causa das guerras entre nações e, neste caso, da fragmentação interna, com cidadãos de um mesmo país se voltando uns contra os outros. Não há moralidade que se aplique a uma sequência de eventos tão amorfos e sem sentido. Não é possível estabelecer uma conexão entre indivíduos oriundos do mesmo lugar.

Para explicar a razão da divisão sueca, “Caranguejo Negro” foca em Caroline Edh, uma mulher comum com um talento peculiar: ela é excepcional em patinar. A premissa pode parecer banal ou até absurda, mas em um país com invernos rigorosos, neve e águas congeladas, Edh é a escolha perfeita para a missão sobre a qual o diretor se debruça mais adiante.

Noomi Rapace entrega uma performance precisa, destacando a bravura e o altruísmo de sua personagem, bem como seu desencanto e revolta por estar envolvida em um conflito que não lhe dizia respeito. Virdborg ironiza a vocação bélica atribuída à Suécia, um país neutro durante a Segunda Guerra Mundial.

O filme sugere que, se a Suécia fosse se envolver em uma guerra, seria uma guerra interna. Mais importante que a paz é a forma como se alcança, ainda que o filme não se aprofunde nisso, preferindo destacar a animosidade do mundo gelado de Edh, captado pela impressionante fotografia de Jonas Alarik, que contrasta a escuridão onipresente com momentos de menor tensão e maior apreciação da natureza.

A intimidade de Edh é revelada quando Berg mostra sua protagonista com a filha, sendo tiradas do carro por homens armados que realizam buscas. A guerra já estava nas ruas pela Operação Caranguejo Negro, mesmo que quase ninguém soubesse.

Mãe e filha são separadas, e, no caos social, Edh é coagida a transportar um recipiente crucial para a vitória de seus superiores, usando suas habilidades de patinação. Acompanhada de seis mercenários, cada um mais insubordinado que o outro, Edh se lança em uma missão suicida que sobrevive, mas que a destrói de outras formas.

No ato final, o filme flerta com soluções radicais para os conflitos humanos. Edh, uma anti-heroína que encarna valores obsoletos até para si mesma, decide acabar com a guerra oferecendo-se em sacrifício. Adam Berg conclui “Caranguejo Negro”, na Netflix, entre uma parábola sobre uma paz impossível, devido à insaciável ambição humana, e um apelo à esperança. Caroline Edh representa tanto o melhor quanto o pior do gênero humano.


Filme: Caranguejo Negro
Direção: 
Adam Berg
Ano
: 2022
Gêneros: Ação/Guerra/Thriller
Nota: 7/10