Não se pode ter tudo. Quando se pensa nos milionários e em suas mansões suntuosas, seus carros de luxo, suas viagens ao redor do mundo sem dia para acabar, nunca se imaginam as carências que estão por trás daquelas vidas invejadas, mas com dinheiro, muito dinheiro, alguma paciência e trânsito livre junto às pessoas certas para tudo há solução. Hal Porterfield dispõe das três condições, exatamente o que deve fazer para uni-las e, então, calar uma parte de seus demônios, que voltam a atormentá-lo quando precisa ver-se de novo a sós com a sua consciência. Enquanto isso não acontece, ele goza sua alegria fácil, comprada a peso de ouro das mãos de Rebecca Marin, uma mulher de negócios sem escrúpulos — como todo verdadeiro negociante —, e os dois vivem esse relacionamento autofágico onde cada qual conhece muito o seu papel, até que uma minúscula peça dessa vasta engrenagem sai do trilho.
Hal e Rebecca são as cobaias de Zachary Wigon em “Sanctuary”, um verdadeiro estudo sobre as humanas fraquezas em geral e as reações muito particulares de dois grupos sociais antagônicos e conexos, representados por essas figuras cheias de reentrâncias. Sensível e árido a um só tempo, o texto de Micah Bloomberg não tem o compromisso de satisfazer as expectativas de quem quer que seja, e mostra os lados sombrio e luminoso de um mocinho vilão e uma anti-heroína cruel e às vezes tola, unidos por um gosto muito peculiar pelo insólito.
Hal, o único herdeiro de uma indústria de calçados, tem um segredo que não escandaliza ninguém mais do que a si mesmo: ele só atinge prazer sexual se submetido a humilhações as mais abjetas. Por essa razão, foi adquirindo todo o conhecimento que pôde em BDSM, o que inclui ser amarrado, pisado, levar bofetadas, choques elétricos e em uma ou outra ocasião bater na mulher que o acompanha, o que, claro, reduz bastante as chances de encontrar alguém que o complete. Bloomberg nunca diz nem Wigon jamais insinua, mas percebe-se que esse pobre garoto rico já perdeu muito mais gente além do pai e vem suportando os golpes. De uma coisa se pode ter certeza, entretanto: a situação está ficando verdadeiramente insuportável — e aí surge-lhe Rebecca.
Vindo de um sucesso razoável em “Piercing” (2018), de Nicolas Pesce, uma outra comédia sadomasoquista cujo cenário também é um quarto de hotel, aqui Christopher Abbott encontra Margaret Qualley, uma promessa ainda por se realizar em plenitude, tinindo na pele de Rebecca, uma vigarista que o ameaça chantagear e não parece comovida diante de um Audemars Piguet de dez mil dólares, seu “presente de aposentadoria”. O enredo pende para um e para a outra, até que nos convençamos de que, para o bem e para o mal, os dois se merecem.
Filme: Sanctuary
Direção: Zachary Wigon
Ano: 2022
Gêneros: Thriller/Comédia
Nota: 9/10