Aplaudido de pé por 8 minutos no Festival de Cannes, obra-prima com Juliette Binoche está no Prime Video Divulgação / Gaumont

Aplaudido de pé por 8 minutos no Festival de Cannes, obra-prima com Juliette Binoche está no Prime Video

O fenômeno “The Bear” é uma série que narra o cotidiano de um chef de cozinha que assume o restaurante da família após a morte prematura de seu irmão mais velho. Caótica, estridente e nervosa, a série se destaca pelas rápidas trocas de cenas, diálogos intermináveis e acelerados, e pela câmera que treme, se abaixa, desfoca e foca novamente, transmitindo uma sensação constante de urgência e ansiedade.

Os alimentos sendo preparados são belissimamente retratados pelas lentes de um operador em constante movimento, oferecendo um conforto furtivo em meio ao sentimento de perigo, paranoia e tensão. Filmes, séries e reality shows de gastronomia viraram sucesso global, e não é surpresa que um dos filmes mais aclamados no Festival de Cannes de 2023 seja “O Sabor da Vida”, de Tran Anh Hung.

O drama histórico de Hung difere completamente da série “The Bear”, exceto pelo tema culinário. Aqui, a cozinha é silenciosa, aconchegante e terna. A cena inicial do longa-metragem tem nada menos que 38 minutos de duração. Embora não seja em plano contínuo, a sutileza dos cortes e das transições dá essa impressão.

Em uma cozinha rústica do século 19, no interior da França, o chef Dodin (Benoît Magimel) recepciona um grupo de convidados para o jantar, enquanto sua cozinheira e alma gêmea, Eugenie (Juliette Binoche), prepara a refeição com a ajuda das jovens assistentes Violette (Galatéa Bellugi) e Pauline (Bonnie Chagneau-Ravoire). A sequência é belíssima e não apenas demonstra com detalhes o preparo dos alimentos, como também o momento da apresentação deles aos convidados.

Uma sobremesa chamada Omelette Norvégienne é servida, enquanto Dodin explica a química que faz com que o sorvete que recheia a torta permaneça congelado mesmo após ser levado ao forno. As expressões dos cozinheiros e convidados são de prazer e serenidade, proporcionando sensações similares no espectador. A fotografia clara, quente e aveludada de Jonathan Ricquebourg flutua com sutileza pela cozinha de Dodin e por sua sala de jantar, capturando as expressões açucaradas dos personagens enquanto se deleitam em uma refeição quase divina.

Com um ritmo lento e prolongado, as cenas de “O Sabor da Vida” trazem uma sensação de nostalgia e relaxamento. Dodin e Eugenie são mais do que parceiros de cozinha. Trabalhando juntos há 20 anos, os dois parecem ler os pensamentos um do outro, complementando-se no fogão e na vida, embora a relação não seja oficializada ou até mesmo pronunciada.

Em uma cena, Eugenie pergunta, aparentemente preocupada: “Sou sua cozinheira ou sua mulher?” Dodin responde: “Minha cozinheira”. Eugenie sorri aliviada, pois para ela mais vale sua especialidade que seu status de relacionamento, mesmo em um século que cobrava isso das mulheres com mais intensidade.

Como se fosse uma orquestra regida por Tran Anh Hung, é a música que dita o tempo, as regras e a intensidade. Ele permite que sua arte se desenrole em seus próprios termos, respeitando sua liberdade e autonomia. Juliette Binoche, deslumbrante aos 60 anos, exibe uma mágica, uma energia hipnotizante e pura. A química em tela com o ex-marido, Benoît Magimel, é incrível, embora ela não acreditasse que ele aceitaria o papel por ter de contracenar com ela.

“O Sabor da Vida”, no Prime Video, nos transporta para um tempo e lugar onde a cozinha é um santuário de calma e dedicação. Tran Anh Hung e o elenco oferecem uma perspectiva única e profundamente sensorial sobre a arte culinária, deixando o espectador não apenas com água na boca, mas também com uma apreciação renovada pela beleza dos rituais diários que envolvem a preparação e o compartilhamento de uma refeição.


Filme: O Sabor da Vida
Direção: Anh Hung Tran
Ano: 2023
Gênero: História/Drama/Romance
Nota: 10