Ria até chorar com esta comédia da Netflix Divulgação / Dreamworks Pictures

Ria até chorar com esta comédia da Netflix

Felizmente, ainda há pessoas que valorizam aspectos além da estética, mansões suntuosas, carros de luxo e status, e que avaliam com a devida honestidade o que alguém pode oferecer em um relacionamento amoroso. O desafio para esse comportamento é, como não poderia deixar de ser, a opinião alheia, a interferência daqueles que, sem critérios sólidos para guiar a própria vida, consideram escandalosa a união de duas pessoas que habitam corpos muito distintos um do outro, resultando em uma série de provações que esses dois guerreiros do amor precisam enfrentar.

“Ela É Demais Para Mim” aborda de forma direta essa questão em uma história leve, mas incisiva, onde os preconceitos e noções equivocadas do que deve significar o amor recaem sobre um homem doce, inteligente e dedicado, que, ironicamente, nem acredita tanto assim na mágica cósmica que rege o destino humano em sua busca pelo maior prazer da existência, uma sorte que muitos não têm. O protagonista do filme de Jim Field Smith parece convencido de que não merece certas regalias, mas o roteiro de Sean Anders e John Morris faz com que o público simpatize com esse personagem desajeitado e torça por ele, mesmo quando uma reviravolta inusitada ameaça colocar tudo a perder.

Kirk internalizou a ideia de que merece uma nota cinco na absurda escala que avalia seres humanos como se fossem carros de luxo ou animais de raça. Grande parte dessa insegurança vem, como será visto, de seus amigos, sujeitos de bom coração, mas superficiais, que também mudam ao longo do filme, conferindo à trama uma naturalidade ausente em produções similares, mantendo o público engajado. Esse homem comum, inspetor da TSA, a agência responsável pela segurança dos transportes nos Estados Unidos, criada após o 11 de Setembro, passa os dias supervisionando passageiros no aeroporto de Pittsburgh, na Pensilvânia, uma função que exerce com devoção, a única forma de amenizar um pouco sua miséria existencial.

Smith trabalha bem com esse núcleo, dando o devido espaço às conversas de Kirk com os outros homens que estrelam o longa, especialmente nas quase filosóficas elucubrações com Manchado, o solteirão interpretado por T.J. Miller, que, além de colega do protagonista, se aventura como músico amador — há uma excelente performance de Miller no segundo ato — e contagia todos com sua rabugice um tom acima. Jay Baruchel, por outro lado, empresta a Kirk a dose certa de idealismo, gentileza e autodepreciação, e quando uma mulher atraente esquece o telefone na bancada de embarque ao passar pelo detector de metais, sente-se que seus dias de romances fugazes estão contados. Mas não é o caso.

Grande parte da narrativa gira em torno da urgência de Kirk em superar traumas de um passado que insiste em assombrá-lo, personificados na figura de Marnie, a ex-namorada vivida por Lindsay Sloane que, como um toque irônico, também trabalha no aeroporto — o ponto fraco do enredo, sem dúvida. Quando percebe que a dona do telefone está realmente interessada nele, surgem as dificuldades naturais entre dois adultos que desejam vencer a estranheza inicial e se conhecer melhor, acrescidas do problema de auto-estima de Kirk.

Molly é paciente com o novo pretendente, e Alice Eve forma uma boa dupla com Baruchel, inclusive na difícil cena em que, na cama, após despirem-se, a mulher faz questão de expor sua sindactilia, quebrando o encanto. Claro que “Ela É Demais Para Mim”, disponível na Netflix, ao contrário do que sugere o título, termina bem; contudo, os diálogos excelentes sobre empatia, auto-respeito e, principalmente, a necessidade de aceitar nossas imperfeições e as dos outros, caem como uma sessão de psicanálise divertida, objetiva e surpreendentemente eficaz.


Filme: Ela É Demais Para Mim
Direção: Jim Field Smith
Ano: 2010
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 9/10