A vida é uma dança complexa de momentos ridículos, patéticos e dramáticos, muitas vezes tão significativos quanto os mais tranquilos contos de amor. No entanto, as histórias de amor serenas raramente nos transportam para fora da espiral de angústia que parece ser a marca registrada da existência humana. Tonya Harding, cuja vida foi meticulosamente explorada em “Eu, Tonya”, personifica essa dança tumultuada.
A patinadora, uma figura icônica dos anos 1980 e 1990, lutou incessantemente para escapar de um ciclo de abusos e negligência que começou na infância. Primeiro, sofreu sob a tutela dos pais; mais tarde, caiu em um casamento desastroso que a catapultou das páginas esportivas para as manchetes policiais mundiais.
Craig Gillespie, o diretor do filme, pinta um retrato visceral de sua protagonista, capturando sua dolorosa jornada repleta de reviravoltas, enquanto ela busca uma identidade que talvez nunca tenha possuído. Harding foi constantemente forçada a se desviar dos golpes do destino, personificados na crueldade da mãe e na brutalidade do primeiro marido, com cenas que surgem como ondas em um maremoto de tragédias que quase a destruíram por completo.
O filme conduz o público por uma exploração sombria da vida de Tonya, uma heroína cujos desafios são desconhecidos para aqueles que permanecem no nível mais básico da existência humana. Harding, uma das atletas mais aclamadas de sua época, enfrentou uma série de obstáculos formidáveis que a separavam do comum dos mortais, obrigando-a a abandonar a complacência e a ética convencional.
Esse caminho de resistência a levou inevitavelmente ao opróbrio, um ciclo que a fez retornar às suas origens lamentáveis. Desde sua infância traumática em Portland, Oregon, até sua difícil e nunca completamente realizada ascensão no cenário esportivo dos Estados Unidos, Tonya é desnudada pelo roteiro de Steven Rogers, que incorpora entrevistas fictícias da patinadora.
A narrativa também inclui Jeff Gillooly, interpretado por Sebastian Stan, o primeiro de seus três maridos e uma figura central em sua tumultuada carreira. E, inevitavelmente, LaVona Fay Golden, a mãe abusiva e despótica que, paradoxalmente, foi também sua maior incentivadora.
Margot Robbie e Allison Janney dominam a tela, trazendo à vida os intensos confrontos e a amarga ternura entre mãe e filha ao longo de duas horas. Robbie, ainda em ascensão após seu papel em “O Lobo de Wall Street” (2013), onde brilhou na crítica sofisticada ao capitalismo predatório de Martin Scorsese, e antes do sucesso estrondoso de “Barbie” (2023), que de certa forma serve como um epílogo involuntário ao filme de uma década atrás — embora o trabalho de Greta Gerwig represente uma vingança metalinguística da ex-rainha dos patins.
Allison Janney, em uma performance impecável, compete de igual para igual pela atenção do público. O diretor Gillespie complementa a narrativa com as participações de Harding em competições obscuras, culminando no Campeonato Nacional de Patinação Artística em Detroit, em 1994, um ponto crítico que marca a descida da atleta e da mulher ao abismo, sempre sob a sombra tóxica e constrangedora de LaVona, uma dinâmica que ressoa com temas atuais no meio artístico brasileiro.
Filme: Eu, Tonya
Direção: Craig Gillespie
Ano: 2017
Gênero: Drama
Nota: 9/10