Adaptação de livro com 6 milhões de cópias vendidas no mundo, filme com Tom Hanks está na Netflix Divulgação / Sony Pictures

Adaptação de livro com 6 milhões de cópias vendidas no mundo, filme com Tom Hanks está na Netflix

À medida que vivemos, torna-se cada vez mais evidente que a vida é um desafio contínuo. Cada fase superada nos leva a outra, em um ciclo incessante de novas provações. Estas inúmeras situações, que muitas vezes se assemelham a testes de resistência, acabam por nos proporcionar algo genuíno: a capacidade de suportar a incerteza que permeia tudo.

Essa incerteza desfaz os planos mais simples que ousamos sonhar, destrói violentamente o que consideramos precioso e nos subjuga com sua sombra pesada, obscurecendo qualquer luz. O sofrimento imposto por essas circunstâncias parece um castigo cruel, afetando até mesmo os aspectos mais íntimos de nossa identidade, aqueles que acreditávamos conhecer tão bem. A vida reafirma constantemente seu controle absoluto sobre todas as criaturas.

A busca por um motivo para essas intenções obscuras, o questionamento sobre por que nos lançamos em abismos repletos de monstros que nós mesmos criamos — enquanto ainda acreditamos que a vida é, antes de tudo, um sonho — é um impulso poderoso. Esse impulso nos puxa para cima, para onde ainda há ar, em um movimento paradoxal e traiçoeiro que carrega consigo a destruição implacável, mascarada pela utopia de uma era menos aterradora.

Com o passar dos anos, o propósito real que nos move torna-se ainda mais obscuro. Seguimos em frente, tentando compreender a vida e seu curso. Nossa tarefa é continuar, atravessar a densa selva que existe no coração de cada um e buscar entender a existência no mundo como uma experiência que, apesar de às vezes ser sombria, tem algum fundamento.

Quando o ser humano consegue integrar plenamente seu lado mais inculto, ele é capaz de transcender fronteiras geográficas e políticas, a mitologia, a história e até mesmo o tempo, revelando-se como a criatura mais poderosa que existe. O poder do espírito humano, seus limites e a influência do ambiente em que está inserido são temas abordados por Ron Howard em “Inferno”, na Netflix, uma alegoria sobre as ilusões alimentadas pelo desejo de poder, que resulta em um cenário de caos, doença e morte.

Dez anos após o lançamento de “O Código Da Vinci” (2006), a série de obras heréticas envoltas em marketing agressivo de Dan Brown que Howard conseguiu transformar em sucessos de bilheteria, o diretor volta a explorar as obsessões de Brown. Ele já havia adaptado “Anjos e Demônios” (2009), que foi duramente criticado, apesar de a história ser menos pretensiosa que as outras.

Neste filme, Howard dirige o roteiro de David Koepp, também responsável pelo texto de “Anjos e Demônios”, junto com Akiva Goldsman e o próprio Howard. O filme faz uma crítica ao capitalismo e suas numerosas desgraças, tragédias íntimas e coletivas que se desenrolam como um grotesco apocalipse. Howard administra o caos e as incongruências de forma que, se por um lado provocam risos involuntários, por outro intensificam a sensação de claustrofobia, angústia e desamparo.

Enredos como esse dependem muito de atores com maturidade artística, e Tom Hanks exemplifica esse conceito perfeitamente. Mesmo tendo criticado a indústria que o fez milionário, Hanks, profissional ao extremo, empresta sua credibilidade e visão poética ao filme.

Após uma abertura patética com Ben Foster no papel de Bertrand Zobrist, uma figura semelhante a Steve Jobs na escatologia, Robert Langdon aparece para dar um novo rumo à narrativa. Mesmo debilitado em um leito de hospital após um aparente acidente, Langdon mostra quem é a estrela. A parceria com Felicity Jones, que interpreta a médica Sienna Brooks, é o ponto alto de uma trama que revisita temas como doenças na humanidade e os homens como sua pior praga.

“A Divina Comédia”, de Dante Alighieri (1265-1321), é inserida de maneira artificial na fala de personagens superficiais em um filme que se resume a puro entretenimento. Se fosse apenas por esse caminho, “Inferno” seria um verdadeiro paraíso.


Filme: Inferno
Direção: Ron Howard
Ano: 2016
Gêneros: Thriller/Ficção científica/Mistério/Ação
Nota: 8/10