Último dia na Netflix: o filme que fez as pessoas chorarem nos cinemas e não sairá da sua cabeça até o dia seguinte Divulgação / Vertical Entertainment

Último dia na Netflix: o filme que fez as pessoas chorarem nos cinemas e não sairá da sua cabeça até o dia seguinte

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Josef Stálin (1878-1953) expandiu seu domínio pela Europa, alcançando a Lituânia, o mais meridional dos países bálticos. A invasão trouxe horrores semelhantes aos perpetrados por Hitler na Alemanha, que isolava judeus, enviando-os a campos de concentração onde sofriam e morriam de exaustão, doenças ou fome. Na Lituânia, os deportados eram enviados à gélida e implacável Sibéria, onde trabalhavam até a exaustão, muitas vezes sem receber sequer um pedaço de pão após longas jornadas de até dezesseis horas nos campos de batata e beterraba. Se no século 19 a vida dos rebeldes anti-império já era difícil sob os czares, com o fim da monarquia e a unificação das nações do Leste Europeu na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1922, os dissidentes do novo regime continuaram a sofrer, agora sob novas justificativas igualmente cruéis.

Com pouco mais de cem minutos, “Retratos de uma Guerra” (2018) reconta de forma contundente a invasão russa à Lituânia. O diretor lituano-americano Marius A. Markevicius foca na personagem Lina Vilkas, uma jovem comum com um talento especial para o desenho, que utiliza para registrar o mundo ao seu redor e expressar seus sentimentos mais profundos. Bel Powley, que interpreta Lina, destaca-se por sua performance, capturando o horror da guerra através de expressões intensas e cheias de emoção. No início, seus olhos brilham pelo convívio harmonioso com seus pais, Kostas e Elena, interpretados por Sam Hazeldine e Lisa Loven Kongsli, e seu irmão Jonas, vivido por Tom Sweet. No entanto, esses mesmos olhos, agora mais intensos, refletem a dor e o sofrimento causados pela abrupta reviravolta em suas vidas.

A separação do pai e a deportação para a Sibéria são retratadas com melancolia, quebrada apenas por flashbacks que mostram o cotidiano dos Vilkas antes da invasão. Lina sonhava em ser admitida na Academia de Belas Artes de Kaunas, um sonho interrompido pela invasão das tropas de Stálin, que enviam os considerados inimigos do Estado para regiões isoladas. Durante a jornada para Altai, o filme ilustra o terror da dominação stalinista, com cenas que mostram a brutalidade dos invasores. Um dos momentos mais chocantes é quando uma mãe é obrigada a carregar o corpo de seu bebê falecido durante a viagem, até que finalmente é permitida a descer para enterrá-lo de forma indigna. Este é apenas o início dos horrores retratados no filme.

De maneira pragmática, Markevicius aborda as condições desumanas de vida dos prisioneiros lituanos, ainda que suavizadas pela escolha de um inglês fluente no roteiro de Ben York Jones, o que pode diminuir o impacto cênico, mas faz sentido dado o elenco majoritariamente britânico. O cotidiano dos prisioneiros é mostrado de forma parcimoniosa, mas o diretor não foge de mostrar a presença opressiva do regime stalinista, com execuções frias ao longo da trama. Há também espaço para dilemas morais, como o do soldado Nikolai Kretsky, interpretado por Martin Wallström, que luta contra suas convicções para cumprir as ordens de seu superior, Komarov, vivido por Peter Fránzen. Kretsky, temendo também ser vítima do regime por sua origem ucraniana, acaba se conformando com seu papel de carrasco em nome da revolução.

Uma das sequências mais belas do filme, inspirada no romance “Ashes in the Snow” de Ruta Sepetys, é uma parábola sobre a beleza e a abjeção da humanidade. Apesar de apresentar uma versão atenuada dos desmandos de Stálin, “Retratos de uma Guerra” destaca-se por seu retrato coeso de como enfrentar a escuridão com luz, lembrando-nos que, por mais óbvio que seja, essa luta nunca deve ser esquecida.


Filme: Retratos de uma Guerra
Direção:
 Marius A. Markevicius
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Guerra/Coming-of-age
Nota: 8/10