John Allman, o decadente astro do rock interpretado por Harry Connick Jr., encontrou o lugar perfeito para viver o resto de seus dias. Bem, assim é, se lhe parece, e, aos poucos, “Mergulhando no Amor”, a adorável comédia romântica da cipriota Stelana Kliris, vai mostrando que, além de enganosas, as aparências cobram um preço alto por suas falsas comodidades. Como a diretora-roteirista esclarece logo, Allman teve uma história com aquele paraíso no Mediterrâneo, e um empenhado Connick Jr. tem o condão de despertar no público a compaixão que não demora a se transformar em empatia, solidariedade, afeto, até que sobrevenha uma descarada torcida por seu personagem, para que consiga, afinal, o sossego que o isolamento na bela ilha de Chipre não pode lhe dar. Para tanto, ele tem de mexer seus pauzinhos e se entender com duas mulheres de seu passado, e como nas tragédias gregas que tomaram corpo não muito longe dali — ainda que com o sinal trocado —, o destino não se furta a aliar-se a quem merece.
Somos constantemente desafiados a encontrar motivos que ratifiquem nossa crença na vida, ignorando o abatimento que embrutece e paralisa; combatendo a melancolia, que na dose imprópria, deixa o céu nebuloso da hígida reflexão e avança ao pântano da dúvida imanente e ubíqua, acerca de qualquer um e em qualquer parte; dobrando o que nos tenta fazer renunciar ao sonho de dias menos sombrios e gente mais risonha, o ideal mais elementar e mais cheio de ardis que se pode querer.
Num só movimento, viver torna-se uma cornucópia de luzes e sombras que se atraem e se repelem, e se equivalem; subidas e descidas bruscas, repentinas, nauseantes, como num brinquedo macabro; entradas e saídas de labirintos claustrofóbicos que ficam tanto mais estreitos na proporção em que nos deparamos com nossas humanas limitações, agudizando a impressão de que no espírito do homem há mesmo lugar para todos os sonhos, mas nele encrustam-se igualmente muitas das côdeas que enxovalham o mundo para muito além da vã filosofia deste plano tão rasteiro.
Allman não é diferente. Ligar o rádio e ouvir “Girl on the Beach”, a canção com que ganhou reconhecimento e fortuna, tantos anos depois, lhe dá pouco mais que a certeza de que a juventude é só um quadro amarelado numa parede já sem tinta. Agora, ele é um quase sessentão morando sem saber na casa à beira do penhasco para onde vão os que desistem de viver, e por essa metáfora entre sutil e incômoda, Kliris chega ao coração de seu anti-herói, cuja filha que nunca conheceu é agora sua vizinha. Na pele de Melina, Ali Fumiko Whitney responde bem aos estímulos do veterano, e as cenas em que canta com Connick Jr. são, ao contrário do que poderiam vir a ser, bons respiros dramáticos num texto quase melancólico. Em “Mergulhando no Amor”, há que se prestar muita atenção aos detalhes.
Filme: Mergulhando no Amor
Direção: Stelana Kliris
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10