Quando penso em insegurança e carência, logo me vêm à mente textos e vídeos de autoajuda com o passo a passo para restaurar a própria estima, valorizar-se mais, superar os medos e esse bocado de coisas impossíveis de se ensinar como se fossem matérias de escola, mas que movimentam bilhões no mercado da exploração psicológica. Quem padece desses achaques se parece mais ou menos com um gato desguarnecido, cujos olhos saltam das órbitas pedindo atenção e temendo qualquer nuvem que não seja cor-de-rosa: presas fáceis das linhas de um mercado maquiavélico. Não dá pra negar a astúcia do dinheiro. Onde há demanda, a oferta nasce como erva daninha — apelativa, voraz — principalmente para suprir necessidades das fraquezas humanas.
De toda forma, pouco se pensa naqueles que rodeiam o indivíduo carente e inseguro. Pobres vítimas das vítimas de armadilhas psicológicas. Sejamos francos, quando não se está em momento de elevação espiritual, é um saco estar rodeado de gente assim. O carente sufoca, pega o que há de bom nos relacionamentos — amor, dedicação, atenção — e hiperboliza até o insuportável, transformando em exigência, sufocamento, possessão. Demanda muito mais do que um mortal pode oferecer e ainda termina o show como mártir.
A desnutrição emocional faz com que ele seja, antes de tudo, um egoísta. Nada serve que não sejam seus caprichos e demandas. Sua lanterna é voltada o tempo todo para dentro, iluminando seus desejos, que, aos montes, tentam disfarçar a falta de sentido da vida. Que não soe cruel, mas esse perfil faz vir à mente uma história da infância de meu pai, sobre um macaco que pertencia a um tal seu Vivi. Essas histórias de interior costumam ser o retrato metafórico e simplificado de nossas misérias. Às escondidas, o bicho vivia mordendo todo mundo e voltava choromingando para o ombro de seu Vivi. O dono brigou com meio mundo por maltratarem aquela criatura indefesa. Como podia uma comunidade ser tão cruel com uma coisinha tão graciosa? Finalmente, houve um dia em que presenciou o primata mordendo com voracidade a perna de um tal Pedro da Tarsila. Como de costume, ele voltou esbaforido e choroso para seu Vivi, que viu desmoronar aquele castelo de candura que o macaco velhaco havia construído.
O carente é meio macaco do seu Vivi: apronta aquele pampeiro enquanto vampiriza as energias de suas vítimas e, quando toma uma porrada, padece de vitimismo. Claro que nada disso é calculado de forma consciente (o macaco certamente era mais ardiloso), mas o resultado acaba sendo o mesmo.
No terreno dos relacionamentos amorosos, o carente que já vive um relacionamento estável (se é que dá pra chamar de estável) claudica sobre a boa vontade do outro, aceitando migalhas. Emburra quando não recebe a atenção que deseja, embirra quando a resposta da mensagem não vem na mesma hora, desmerece a si mesmo apenas para cavoucar um elogio forçado. O medo da possível solidão frequentemente faz com que tope relacionamentos abusivos, recheados de muito ciúme e concessões pouco saudáveis. Consentir o tempo inteiro não é sinônimo de amor, mas apenas mais uma prova do quão destrutiva pode ser a insegurança em excesso. Ter ao lado alguém que concorde com tudo tira a maior graça que um relacionamento pode ter: a eterna busca pela sintonia. Relacionamentos interessantes têm uma alma de negócios. Ao conseguir a proeza de conciliar as diferenças, com argumentos, discordâncias e concessões mútuas, o acordo e as pessoas ficam em pé de igualdade.
Os solteiros também sofrem e fazem sofrer, sempre depositando no próximo desavisado toda a responsabilidade por sua felicidade. Projetam dependência naqueles que ainda mal conhecem, atropelam as coisas, fazem um furdunço onde era para haver cautela de quem ainda está se conhecendo. Carentes e inseguros têm essa infeliz mania de terceirizar a responsabilidade. Sempre acabam “macacovivizando” o negócio.
Evidentemente, ninguém acorda um dia e decide que vai exercitar a carência. Ela está lá, impregnada e pegajosa, geralmente sem que seu praticante a perceba. Por vezes, é discreta e não chega a incomodar quem está ao lado, mas em todo caso esfola a alma daqueles que gritam desesperadamente por aprovação.
O medo da solidão — essa anorexia emocional que provoca ansiedade, dependência, insegurança, medo e vitimização — talvez seja simplesmente a falta de ajustar da cabeça à realidade e perceber que todo mundo tem um pouco de medo de tudo. A despeito da segurança dos gestos e da voz, estamos todos aprendendo a caminhar enquanto caminhamos da forma como é possível. Ao enxergar a humanidade do outro, dá para suportar a própria humanidade. Mas essa coragem não se aprende em livros ou filmes de autoajuda, que podem no máximo dar uma muleta psicológica. Aprende-se tomando porrada, esfolando o joelho, passando raiva, aprendendo a pensar e procurando observar nos outros aquilo que se quer ou não reproduzir.