Não se faz um bom faroeste sem personagens imbuídos de um desejo de retaliação, que se atiram sem medo a uma jornada contra quem desestabiliza a harmonia de sua terra mediante um crime e consegue até macular a honra de sua família com o sangue de um inocente. A premissa se mostra verdadeira no momento em que se começa a listar algumas produções que se aprofundam sobre o argumento do acerto de contas, e os vaqueiros americanos entram nessa equação como sacerdotes profanos e bárbaros da terra, mestres na alquimia de fazer do talento em lidar com o lado mais primitivo da natureza uma qualidade prezada não só por quem os rodeia, mas por toda a gente.
Richard Gray confirma a validade do axioma em “Assassinato em Yellowstone”, amalgamando a força atávica do western à energia crescente de um thriller austero, conduzido por um ex-escravizado que chega à Cidade de Yellowstone, Montana, dezoito anos depois da abolição da escravatura nos Estados Unidos disposto a ganhar a vida honestamente. O roteiro de Eric Belgau guarda uma surpresa a cada novo lance, como se repetisse uma fórmula, mas ninguém ousa afirmar que o enredo não vai além do que se poderia antever, mormente depois que o caos se instala e um anti-herói até então oculto se mostra.
Cumprimentando a todos de maneira contida, mas cheia de um zelo paterno, o xerife Jim Ambrose cruza a avenida central de Yellowstone e chega para mais um dia de trabalho. Em 1881, homens como Ambrose tinham de descobrir uma maneira de se fazerem respeitados sem inspirar mais ódio, zelando para que seu prestígio não virasse à sombra de uma autoridade meramente decorativa, e Gabriel Byrne alcança tal proeza, dando a seu personagem a aura de um dos grandes desbravadores que seguiriam ocupando o Oeste profundo da América.
Pouco depois, Cícero, sobrevivente do opróbrio da escravidão, também parece sentir-se meio dono do pedaço, e a presença de Isaiah Mustafa adorna os cenários de Laura Lovo com a nuvem de mistério que só faz ganhar mais substância dramática à medida que Gray inclui na trama uma vítima de homicídio e a bala que permanece alojada em seu cadáver. É aí que entra em cena mais um homem sobre cujo passado ninguém ousa cravar nenhuma certeza: trata-se do reverendo Thaddeus Murphy, de Thomas Jane, que não se contenta em defender-se do mal apenas com a Bíblia.
Covardes morrem muitas vezes antes da verdadeira morte, diz Cícero, ao que Edgar, o dono do saloon interpretado por Richard Dreyfuss, viril e casado com outro homem, completa, dizendo que “o homem corajoso, porém, experimenta a morte uma vez só”. Mais que uma expediente para sublinhar o requinte de seu longa, a menção ao Shakespeare de “Júlio César” (1599) acaba virando uma síntese do que o diretor pretende com essa trama de homens meio vivos, meio desencarnados em busca de um propósito, até que, claro, que o chumbo grosso das pistolas e carabinas toma Yellowstone. Cícero, Ambrose, Murphy e Edgar ainda são homens que exorcizam seus demônios, mas que sabem precisar deles naquele ambiente hostil do qual não podem se livrar. As pedras amarelas de Yellowstone trazem fortuna, mas cobram um preço alto por isso.
Filme: Assassinato em Yesllowstone
Direção: Richard Gray
Ano: 2022
Gêneros: Faroeste/Thriller
Nota: 9/10