Mencionar no título de um filme que agora o espectador terá, enfim, acesso ao que por alguma razão não se pôde tornar público antes é uma estratégia arriscada. Sempre há a chance de ainda existir mesmo qualquer coisa de relevante numa história que nos prendeu na cadeira anos atrás, enquanto também não deixa de pairar a dúvida sobre a intenção puramente mercadológica da empreitada, ideia capaz de azedar todo o processo.
Não faz muito tempo, ganhou mundo um corte “definitivo” de “O Exorcista” (1973), indetectável para olhos leigos, e agora a Blumhouse coloca na praça “O Jogo do Desafio: Versão Estendida do Diretor”, no qual Jeff Wadlow parece destacar umas sequências em detrimento de outras, com resultado semelhante ao obtido com o clássico de William Friedkin (1935-2023). Uma verdade não se nega, todavia: o estúdio, também famoso por “Corra!” (2017), que consagrou Jordan Peele como diretor, e “Infiltrado na Klan” (2018), de Spike Lee, tem obtido sucesso em suas escolhas.
A despeito da sufocante ânsia por se destacar em meio à tacanhice e à sobrevalorização do excepcional, do inimaginável, do fabuloso, todos queremos ter a vida o mais normal, o mais comum, até o mais previsível quanto se puder, e uma vez que chega-se a esse paraíso, em que as ilusões restam devidamente sepultadas, as neuroses evolam-se como o perfume das rosas no primeiro raio de sol e as mágoas, derradeiro refúgio da tristeza, somem como se cansadas de não mais causar dor, reflora a esperança da felicidade possível, condição pela qual tanto se luta, mas sói escapar-nos por entre os dedos, como se, no fundo, algum detalhe nefasto indicasse que não a merecemos.
É inquestionável que o terror muitas vezes se aproveita de argumentos empregados em outras ocasiões, mas como os tempos são outros, como outro também é o entendimento das pessoas diante da vida, mesmo filmes abertamente inspirados em produções consagradas, cults ou blockbusters, apresentam suas adaptações, felizes ou nem tanto. O terror proporciona uma infinidade de modos de se pensar o mundo, os costumes, a vida, e… rejeitar o mundo, os costumes, a vida — pelo menos a vida como a entendemos sob muitos aspectos desde tenra idade.
Olivia, a anti-heroína vivida por Lucy Hale, não tem uma definição muito clara do que venha a ser moral, e fia-se numa inteligência privilegiada e no apurado sexto sentido para livrar-se das enrascadas que ela mesma cria. A tal brincadeira da garrafa é uma alternativa para que ela e os amigos, entre os quais se inclui o Brad Chang de Hayden Szeto, um homossexual assumido na rua e no armário para a família, resolvam pendências de outros Carnavais e deem azo às fantasias eróticas que tratam de manter muito bem-escondidas, até que a maldição que os obriga a lutar pela sobrevivência toma corpo, antes ainda da viagem durante a qual descobertas um tanto mais cruéis os fustigam. O roteiro de Jillian Jacobs, Michael Reisz e Christopher Roach faz o enredo oscilar entre um terror sem muitas nuanças e essa pletora de conflitos pós-adolescentes; na dose certa, essas subtramas não enjoam e até se mostram um passatempo satisfatório.
Filme: O Jogo do Desafio: Versão Estendida do Diretor
Direção: Jeff Wadlow
Ano: 2018
Gêneros: Terror/Suspense
Nota: 8/10