Charcos têm um apelo lírico para Neil Burger. Em “A Filha do Rei do Pântano”, Burger se vale da paisagem lodacenta para sugerir o atraso, muito maior do que a imagem permite-nos alcançar, na vida de personagens cercados por pobreza severa, melancolia patológica, fraqueza de espírito, desespero. A família aparentemente feliz que protagoniza a história engana o público até que as máscaras comecem a cair, da mesma forma que acontece nos palacetes de capa de revista no mundo todo.
Karen Dionne e Elle e Mark Smith adaptam o livro homônimo de Dionne, publicado em 2017, com a intenção de levar o espectador por um caminho tão vacilante quanto o terreno sobre o qual seus personagens se deslocam, manobra arriscada de que tira resultados ora louváveis, ora artificiosos. As descobertas de uma mulher sobre o próprio passado servem-lhe de farol quanto às providências a tomar a fim de reaver sua vida, mesmo que não saiba como lidar com os efeitos devastadores dessa revelação. Mas perder essa grande chance seria perder-se para sempre.
Burger encampa um dos tantos debates sobre a condição feminina denunciando a miséria romântica de Helena Pelletier, a menina doce e sonhadora vivida por Brooklyn Prince, que não demora a se tornar uma mulher angustiada, numa espera incansável pelo milagre que a faria saber por que, afinal, teve de experimentar tanto sofrimento, que soube transformar em sabedoria. A anti-heroína de Prince, interpretada por Daisy Ridley na fase adulta, mantém curiosos pontos de contato com Kya, a Menina do Brejo de “Um Lugar Bem Longe Daqui”, a adaptação de Olivia Newman para “Where the Crawdads Sing” (2018), o romance da americana Delia Owens traduzido ao pé da letra, um grito de socorro de uma alma também presa de um martírio sem fim.
A área mais agreste da Barkley Cove, cercada apenas pela vegetação densa e pelo rio North Toe, na Carolina do Norte, cede lugar ao pântano da Península Superior de Michigan, mas permanece a figura diabólica de um pai violento, que inspira medo numa família que tenta a todo custo escapar-lhe. Os confrontos entre a garota e Jacob, o pai antes insuspeito de Ben Mendelsohn, lembram o flagelo de Kya no filme de Newman, mas é Garret Dillahunt quem dá cartas aqui, sobretudo no desfecho, emocionante e quase arrebatador.
Filme: A Filha do Rei do Pântano
Direção: Neil Burger
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Suspense
Nota: 8/10