O filme do Prime Video que vai ajudá-lo a encarar a depressão com outros olhos

O filme do Prime Video que vai ajudá-lo a encarar a depressão com outros olhos

Falta de dinheiro pode ser o maior dos problemas de quem sofre privações de todas as outras categorias. Mas como explicar que depressão, síndrome do pânico, crises de ansiedade, ideação suicida e tantos males do espírito infernizem atrizes, atletas, empresários, religiosos, enfim, gente supostamente bem-resolvida e descolada, a despeito de tudo quanto essas pessoas façam para não soçobrar no lago tépido e cinzento da tristeza clínica? Essas pedras no caminho da nossa humanidade contemporânea nesse insano século 21 é o assunto de “Ressignificar”, o documentário com ares de despretensiosa conversa em que Rebeca Casagrande e Fabio Medeiros alertam para a necessidade de se puxar o freio, respirar fundo e, por que não? perguntar a si mesmo se a vida está de fato como gostaríamos e pensar sobre o que se deve fazer para se chegar a essa tão sonhada felicidade.  

Desde seu surgimento, no século 6 a.C., a filosofia tenta dar ao homem alguma explicação para as muitas inquietações da alma humana. Ao tentar compreender o que se passa no espírito de cada indivíduo, valorizando justamente o caráter de especificidade, em que cada um é responsável por suas próprias escolhas, pelo caminho que decide trilhar — que por tortuoso que seja, pode conduzir a algum lugar de proveito —, por seus tropeços e suas glórias, o pensamento filosófico se organiza a fim de dar à vida uma ideia de que tudo converge para um mesmo fim, qual seja, extrai do mundo, da interação com os outros e, por óbvio, de como processamos essas informações à luz da nossa própria visão acerca da existência. Injustamente tida por algo hermético, de dificil aplicação, dada a sua natureza calcada no conhecimento mais refinado, a filosofia se faz também no dia, uma vez que estamos sempre nos defrontando com circunstâncias provocativas, desafiadoras, que exigem de nós decisões rápidas, eficazes e, muitas vezes, definitivas.

A filosofia, portanto, está em tudo, bem como o próprio Deus, de onde emana todo o amor e toda a sabedoria — isto é, a filosofia ela mesma —, é, igualmente uma substância hegemônica e imanente, que domina tudo quanto há na face da Terra. O filósofo holandês Baruch de Spinoza (1632-1977) defendia que a natureza de divindade de um ente capaz de reger todos os outros residia exatamente no seu caráter de poder se imiscuir a tudo, afinal, todos os seres e mesmo todas as coisas têm seu lado luminoso, celestial, e sua porção sombria, que nunca é dada ao acaso, existe mesmo que obedecendo a uma determinação do próprio Altíssimo.

Para muitos filósofos que se detêm sobre a obra de Spinoza, é dificílimo entender por que Deus, que tudo sabe, que vê todas as coisas que se passam desde o princípio dos tempos, inclusive as que ainda nem saíram do coração do homem, molda uma criatura à sua semelhança e imagem, mas uma criatura imperfeita, que peca, que rouba, que mata e, não satisfeito, malgrado saiba que o homem é fraco, é mau, o pune por suas faltas, quando, Nome sobre todo nome, deveria interferir e apartar do gênero humano a sanha bestial. Seria Deus também imperfeito, pecador, facínora, e, para piorar, um sádico?

Uma explicação rasa para tal emaranhado de hipóteses tão cabeludas é o surrado — e preciso — livre-arbítrio: Deus dá ao homem o dom da vida; cabe ao homem viver sua própria vida, Deus não irá vivê-la por ele. É como se nossos pais nos dessem um presente valioso e o retivessem num cofre, do qual só eles têm a chave e de que só nos seria concedido desfrutar muito espaçadamente. Assim como estão na vida, a filosofia e Deus, imiscuído ao princípio da hegemonia da própria vontade sobre o que os outros esperam de nós, sempre calcado no discernimento, estão na morte e na maneira como a encaramos.

O caráter meditativo do roteiro de Casagrande fica mais e mais claro nos depoimentos com que pontua seu trabalho, seguindo uma lógica tão mercadológica quanto eficiente. Ao corajoso testemunho da instrutora de ioga Andreia Velloso os diretores ligam a participação do nadador Fernando Scherer, o Xuxa, medalhista olímpico em Atlanta e em Sydney; os esclarecimentos do médico integrativo Fabio Gabas e do psiquiatra Marco Abud; e a tocante entrevista com a atriz Fernanda Souza, que fala sobre o tal Deus spinozanosem o saber. Deus está nos detalhes, e os detalhes estão mesmo nas coisas mais simples.


Filme: Ressignificar
Direção: Rebeca Casagrande e Fabio Medeiros
Ano: 2023
Gêneros: Documentário
Nota: 8/10