O filme que levou 12 anos seguidos para ser filmado, ganhou o Oscar e mudou a história do cinema está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

O filme que levou 12 anos seguidos para ser filmado, ganhou o Oscar e mudou a história do cinema está na Netflix

O filme “Boyhood: Da Infância à Juventude” destaca-se ao mostrar ao público o poder transformador do cinema, permitindo acompanhar a evolução de um menino de seis anos até a idade adulta em menos de três horas. Essa realização cinematográfica de Richard Linklater, embora não tenha demandado um orçamento elevado — foram apenas 4 milhões de dólares, que se multiplicaram por quinze —, exigiu muito empenho, uma equipe dedicada e doze anos de filmagens, totalizando 4.200 dias. Linklater se notabilizou por enfrentar o tempo e vencê-lo.

Seu trabalho anterior, “Antes do Amanhecer” (1995), que inicia uma trilogia sobre um casal cuja relação nunca se consolida — seguido por “Antes do Pôr do Sol” (2004) e “Antes da Meia-Noite” (2013) —, já demonstrava sua inclinação por projetos grandiosos, sempre com o passar dos anos como tema central. Esse desejo de se afirmar como um verdadeiro representante da arte que transcende o registro cronológico motivou Linklater a embarcar em mais uma empreitada ambiciosa.

Ellar Coltrane, protagonista de “Boyhood”, foi peça fundamental para o sucesso do filme. Desde cedo, ele compreendeu que sua vida passaria por uma verdadeira odisseia, com desafios e sacrifícios, se aceitasse o compromisso de filmar por mais de um mês a cada ano até que o diretor tivesse material suficiente. Assumir um papel comparável ao de Ulisses, personagem central da obra máxima de Homero, o célebre poeta épico da Grécia Antiga, implicaria mudanças significativas na vida de um menino de Austin, Texas. O período de filmagens significava abrir mão de brincadeiras com os amigos, dormir até mais tarde e até mesmo faltar a algumas aulas na escola. À medida que amadurecia, Coltrane percebeu a magnitude da tarefa, mas também reconheceu a oportunidade única que essa experiência representava.

Embora a abordagem de Linklater seja inovadora, não se pode dizer que seu trabalho seja fundamentalmente novo. Muitos filmes, novelas e livros já exploraram, de forma até mais pungente, as complexidades das relações familiares ao longo do tempo. Conflitos conjugais, divórcios, distanciamento entre pais e filhos, tentativas de reconciliação e a rebeldia adolescente são temas abordados em obras como “Fanny e Alexander” (1982) e “Cenas de um Casamento” (1974), de Ingmar Bergman, um mestre dos dramas familiares; “Éramos Seis” (1994), de Nilton Travesso; e “Anna Kariênina” (1877), do romancista russo Liev Tolstói, uma referência definitiva sobre o tema.

No caso de “Boyhood”, o mérito de Linklater está em conferir ao seu trabalho um toque especial, mesmo tratando dos aspectos mais triviais — e significativos — da vida. Utilizando-se da estética cinematográfica, ele transforma vaidade em reflexão, filosofia, uma vida paralela, uma fantasia real.

O personagem Mason, interpretado por Coltrane, cresce sem que o público seja formalmente informado, uma das belezas do roteiro. Ver Ethan Hawke e Patricia Arquette — vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua atuação como Olivia — enfrentando o desafio de envelhecer diante das câmeras, como pessoas reais com dores e triunfos, proporciona ao espectador um certo consolo. Quanto a Ellar Coltrane, a transformação do menino em um jovem adulto, sujeito às reviravoltas da vida, representa uma contribuição valiosa do cinema para a humanidade.

A longa duração do filme pode ser um obstáculo para alguns, dificultando a apreciação de uma história tão rica em detalhes. No entanto, repleto de referências à cultura pop da época e com uma trilha sonora impecável, “Boyhood” oferece uma experiência única ao embarcar nessa viagem no tempo. O tempo passa, mas aquilo que merece ser lembrado perdura.


Filme: Boyhood: Da Infância à Juventude
Direção: Richard Linklater
Ano: 2014
Gêneros: Drama/Coming-of-age
Nota: 10