O filme da Netflix que vai bagunçar sua cabeça: intenso, estranho, perturbador e totalmente surreal Divulgação / Netflix

O filme da Netflix que vai bagunçar sua cabeça: intenso, estranho, perturbador e totalmente surreal

Considerada por alguns como o refúgio dos viciados, a religião tem resgatado inúmeras almas da perdição desde tempos imemoriais, principalmente nos cantos mais sombrios do mundo. Tão frequentemente mal compreendida, essa força invisível pode gerar distorções naturais, que requerem vigilância e ação imediata para prevenir os muitos enganos que prosperam na dúvida e na incerteza. Estes enganos são personificados pelos falsos profetas que proliferam em todos os lugares, desviando os corações ingênuos da verdadeira beatitude, beleza e graça.

O cineasta Gareth Evans transforma seu filme em um caldeirão fervente de mistério, amor e a busca de um grupo por seu lugar no mundo, contraposto à luta de uma minoria para livrar-se de fantasmas ancestrais, alimentados pelas qualidades mais nobres da alma humana. “Apóstolo” (2018) convida o espectador a desvendar segredos ocultos, enquanto mantém outros ocultos na sombra, longe do foco principal da história até que sua revelação se torne indispensável.

Em 1905, Thomas Richardson, um ex-padre interpretado por Dan Stevens, retorna para casa e é surpreendido com a notícia do sequestro de sua irmã, Jennifer, interpretada por Elen Rhys. Ela está presa em uma ilha remota no Atlântico Norte, onde um culto religioso peculiar ainda é praticado, mas está à beira do colapso. O local, governado pelo autoproclamado profeta Malcolm, vivido por Michael Sheen, enfrenta colheitas fracassadas, vistas como resultado de uma maldição. A presença de Jennifer é considerada crucial por Malcolm para que as preces dos aldeões sejam atendidas. Evans utiliza esse conflito para explorar a religião e seu potencial de fanatismo como desvio da espiritualidade humana. Thomas parte para a ilha, tentando passar despercebido para se infiltrar na comunidade local e descobrir o paradeiro da irmã. Logo, ele percebe a ambiguidade dos habitantes, que não são tão simples nem tão devotos quanto aparentam.

O roteiro de Evans acentua o terror, principalmente após a chegada de Stevens à ilha. “Apóstolo” se debruça sobre as formas menos nobres que a religião pode assumir nas mãos de figuras que manipulam sua importância na vida individual e coletiva para obter poder. A fotografia, com tons sombrios, demonstra o comprometimento do diretor em criar uma estética apropriada para a atmosfera de obscurantismo e vilania que permeia a ilha. A população, inicialmente vista como ignorante, revela-se também cruel e perigosa conforme a história avança. Evans precisa que o público aceite essa malignidade do ambiente, sem que a apreensão se transforme em repulsa. Ele subverte as expectativas do espectador, criando uma ilusão que ninguém percebe estar sendo projetada.

Os filmes de terror parecem ter se multiplicado na indústria cinematográfica mundial, já marcada por várias outras adversidades desde seu surgimento há cerca de um século. No entanto, diretores como Gareth Evans, com obras como esta, são cada vez mais necessários. Evans não facilita nada, e seu filme não busca oferecer facilidades inverossímeis. O desfecho, após algumas reviravoltas — umas mais impactantes que outras —, pode parecer incoerente, especialmente considerando que finais conflitantes raramente são satisfatórios. No entanto, “Apóstolo” não tem medo de ser perturbador, estranho, incômodo ou até mesmo inconveniente ao desafiar certezas e ferir sensibilidades. Em meio a um argumento tão cerebral, Evans ainda inclui cenas chocantes de massa encefálica espalhada pelo cenário, garantindo que ninguém possa dizer que ele não tentou agradar a todos.


Filme: Apóstolo
Direção: Gareth Evans
Ano: 2018
Gêneros: Terror/Thriller
Nota: 9/10