Um homem de coragem, que não se verga aos desmandos dos poderosos, tanto menos quando sabe que está certo, desvenda um segredo que todos pareciam conhecer. Completamente devotado à carreira e a seus estudos, o neuropatologista forense Bennet Ifeakandu Omalu, o personagem central de “Um Homem Entre Gigantes”, parece a ovelha que se desprende do rebanho e vai parar num campo repleto de feras, que não o intimidam e, ao contrário, servem-lhe de estímulo para que não se canse até encontrar uma verdade incômoda que se torna cada vez mais assombrosa.
O belo filme de Peter Landesman se debruça sobre a fascinante personalidade de Omalu, o cientista responsável por descrever uma nova doença, que acerta em cheio um determinado grupo social, que por seu turno mantém de pé uma estrutura portentosa que, se ruir, pode levar consigo carreiras acima de qualquer suspeita e corporações multimilionárias, uma reviravolta nos costumes que ninguém arrisca como pode acabar.
O pensamento filosoficamente ordenado auxilia o homem a absorver cenários que alimentam um flerte desabrido com o caos, ao passo que o faz entender que ele é o único responsável pelas decisões que toma e pelas estradas a que se lança — que por pedregosa que seja, pode levar a alguma parte em que a vida vá se lhe revelar em sua esfera mais misteriosa, de onde ele poderá tirar muitas das lições que lhe faltam para seguir em harmonia.
Conforme os anos se sucedem, mais a ideia de que tudo converge para um irremediável fim toma vulto, já que o plano físico, por mais amplo e até elástico que pareça, com sua ciência aplicada, firme no intuito de prolongar a vida do homem ad aeternum, e limitado, bem como mais lúcido se apresenta o raciocínio que enuncia a fundamental importância para o gênero humano de encontrar seu lugar no mundo — tendo ainda mais claro que esse lugar não é um feudo, hereditário, imutável, sem fim, uma vez que a própria vida não é nenhuma dessas coisas, e tampouco é sempre pacífica, idílica, plácida. Na verdade, a lúdica empreitada de viver jamais deixa de condicionar-se aos seus muitos desvios — o que só torna nossa pequenez tanto mais irrefutável.
O roteiro de Landesman e Jeanne Marie Laskas afirmam e reafirmam uma certa santidade de Omalu — o que sem dúvida empobrece muito a narrativa —, um homem sereno, que só ameaça exaltar-se quando alguém não o chama de doutor. Muito dessa vaidade, por óbvio, é o que o move a continuar seus experimentos em cadáveres (para os quais pede licença antes de dissecá-los), até que corrobore sua hipótese: o futebol mata seus atletas na medida em que homens de quase cem quilos se atracam uns aos outros e acabam por levar mais de setenta mil golpes na cabeça ao longo da vida profissional.
Carismático como sempre, Will Smith defende seu personagem (e ele precisa mesmo), que não hesita em apresentar o que descobre para a imprensa, determinado a combater o expediente agressivo nos campos, Bennet Omalu passa a ser alvo da NFL, a influente associação nacional de futebol americano. Landesman entra menos do que deveria na intimidade de Omalu, negligenciando de propósito o romance do biografado com Prema Mutiso, a enfermeira de Nairóbi que chega a Pittsburgh apenas com uma mala e torna-se sua esposa. Gugu Mbatha-Raw tira muito do glacê academicista de “Um Homem Entre Gigantes”, devolvendo o caráter épico nos momentos em que a história fica meio soberba. Afinal, grandes homens também têm paixões mundanas.
Filme: Um Homem Entre Gigantes
Direção: Peter Landesman
Ano: 2015
Gêneros: Drama/Biografia/Thriller
Nota: 8/10