“I Wanna Dance with Somebody: A História de Whitney Houston” é um daqueles filmes em que a crítica se esforça para encontrar deficiências, ao passo que o espectador se deleita. De minha parte, só acho uma grande inconveniência no trabalho de Kasi Lemmons: não poder mais assistir ao longa no cinema, diante de uma imensa tela, rodeado por gente que, como eu, rendia-se logo ao talento de Whitney Elizabeth Houston (1963-2012), A Voz, a Rainha da Balada, a garota doce de Newark, Nova Jersey, vencedora de 24 Grammys, o prêmio máximo da música nos Estados Unidos e que, enquanto viva, deteve a marca de artista solo que mais vendeu discos na história da indústria fonográfica, só perdendo para os Beatles.
Bem longe de ser perfeito, “I Wanna Dance with Somebody” é quase isso, o grito de socorro de uma diva, sufocado por agudos e falsetes, por melismas e vibratos de uma mezzosoprano sem igual, porque o show tem que continuar — passando por cima de dores da alma e do corpo, solidão, abandono e o algoz do vício, que a estimulava e a tolhia. Anthony McCarten, o roteirista, até pode dourar a pílula em alguns momentos, preferir dar destaque a certas passagens da vida de Whitney que a outras, porém mesmo nos lances mais venturosos da biografia da cantora, antes de tudo está sempre lá a mulher, falha, sujeita a quedas, vulnerável. Como qualquer um.
Lemmons volta a 1994, quando Whitney comparece ao American Music Awards, para retroceder mais onze anos e chegar a Nova Jersey, e esses dois eventos acabam se interligando. Aos vinte anos, Nippy, como chamam-na os amigos, está prestes a assinar seu primeiro contrato, com Clive Davis, sempre muito bem-assessorada pela mãe, Cissy, de Tamara Tunie, e sob o olhar viperino do pai, John, que já vislumbra as primeiras pedras no caminho da futura estrela pop, caso não breque a influência de Robyn Crawford, a amiga com quem a garota parece ter um romance.
Ao contrário do que se disse, logo fica muito claro que Whitney e Crawford foram mesmo namoradas, e mais, que aquele amor proibido foi, sim, o grande amor de sua vida. Naomi Ackie e Nafessa Williams estão juntas em boa parte do filme, e como Davis, Crawford tornou-se uma espécie de anjo da guarda de Whitney, apesar da cerrada marcação paterna. Muito bem-distribuído, é a partir desse núcleo que se desenrola o restante da trama, com o empresário, dono da então ainda quase anônima Arista Records, ganhando a merecida confiança de sua nova contratada, mas sabotado aqui e ali pelo chefão do clã, o que exige de Stanley Tucci uma dose extra de tirocínio a fim de frisar em seu personagem a ambivalência de um verdadeiro pai, doce, mas severo, o que John nem sempre conseguia. Clark Peters por sua vez é capaz de mascarar o temperamento frio do pai de Whitney, sua sanha ascendente por gerir o patrimônio da filha e enchê-la de compromissos profissionais como um robô, até que a relação fica insustentável e se anuncia o rompimento.
Como sói acontecer nesses casos, os enredos de alcova, os mais repulsivos, os mais cheios de pormenores humilhantes para o biografado, são sempre os que melhor capturam a atenção da audiência, e o casamento com o pusilânime Bobby Brown desponta como o quinhão de verdadeira debacle emocional de Whitney, da qual não se levanta. A interpretação de Ashton Sanders para o marido cafajeste e aproveitador não deixa de afirmar essa índole destrutiva de um artista que, goste-se ou não, também conquistara seu espaço e fora reconhecido por tal, arrebatando plateias e merecendo seu próprio Grammy.
Aqui, “I Wanna Dance with Somebody: A História de Whitney Houston” aproxima-se mais de “Bohemian Rhapsody” (2018), no qual Bryan Singer e Dexter Fletcher contam sua versão da carreira e da intimidade de Farrokh Bulsara (1946-1991), o Fred Mercury, que de “Rocketman” (2019), onde Fletcher sozinho se debruça sobre a vida de Reginald Kenneth Dwight, sir Elton John. Lemmons não diz muito acerca de Bobbi Kristina Houston Brown (1993-2015), a filha de Whitney e Bobby Brown morta em circunstâncias muito semelhantes às que definiram a sorte macabra da mãe. A tragédia é um fio invisível a ligar a humanidade, e a de Whitney Houston basta.
Filme: I Wanna Dance with Somebody: A História de Whitney Houston
Direção: Kasi Lemmons
Ano: 2022
Gêneros: DramaBiografia/Musical
Nota: 8/10