A mais fascinantemente plural de todas as manifestações artísticas, o cinema sempre teve o condão de despertar o interesse do público quanto a suas tantas histórias de bastidor, e esse é um nicho que há pelo menos sete décadas caiu no gosto de quem ama sentar-se diante de uma tela por cerca de duas horas ou mais, bem mais, e desvendar os mistérios por trás das câmeras, muito mais pesadas do que hoje, cenários bidimensionais, vedetes alçadas à condição de musas inatingíveis de um país inteiro, galãs em smokings bem-cortados escapando de tiros, mas não das bofetadas certeiras dessas mulheres infernais e caubóis e índios batendo-se em disputas por reservas de ouro e diamantes sob uma terra arenosa.
“Babilônia” dispõe de óbvias referências a “Cantando na Chuva” (1952), o clássico de Gene Kelly (1912-1996) e Stanley Donen (1924-2019) sobre um casal de atores do cinema mudo cujas carreiras balançam depois do advento do som, mas Damien Chazelle, claro, trata de imprimir sua própria marca ao longos dos grandiloquentes 190 minutos de projeção, valendo-se de um elenco coeso, que também dá um brilho inesperado a cenas a que pensamos já ter assistido antes. Mas aqui o olhar nunca se perde.
Há uma boa medida de caos em “Babilônia”, justamente porque assim se faz cinema. Na sequência de abertura, Manny Torres, um mexicano-americano radicado em Los Angeles, leva um elefante ladeira acima até chegar em Beverly Hills, onde os aguarda um bacanal patrocinado por um dos mecenas da Hollywood pré-Era de Ouro. O diretor-roteirista rompe seu filme sem vontade alguma de fazer concessões, o que se comprova numa cena de escatologia a princípio gratuita, mas que se relaciona diretamente com o que se vê e, mais importante, com o que se pode apenas intuir.
As estrelas mais brilhantes do firmamento angelino dançam nuas por trás da imensa porta que uma tal Nellie LaRoy deseja cruzar, se passando por Billie Dove (1903-1997), ousadia grande demais para alguém que vive de biscates e um ou outro vaudeville num teatro suspeito do Skid Row. Nellie só consegue penetrar graças a intervenção de Manny, e a partir desse ponto, Diego Calva e Margot Robbie vêm e vão na trama, juntos ou separados, mas sempre propositivos, encarregando-se de apresentar os outros personagens que também servem para corroborar o argumento central de Chazelle: a reprodução de falas, pratos se chocando contra o chão, latidos, o farfalhar das árvores durante uma tormenta, era mesmo uma ameaça, cada vez iminente. Mas não para a bela e astuta Nellie. Jack Conrad por seu turno deveria se preocupar.
O galã vivido por Brad Pitt encarna à perfeição a aura de magia e autoconfiança patológica que acometia e acomete os astros do cinema de ontem e de agora. Se há um século o inimigo era o som, hoje as perversões da fama, com seus influenciadores digitais caindo do azul, fazem com que atores verdadeiramente talentosos ponham as barbas de molho — e se nivelem por baixo. Afinal, já não se fazem mais Clara Bow (1905-1965) ou Cary Grant (1904-1986).
Filme: Babilônia
Direção: Damien Chazelle
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 10