Melhor atuação da carreira de Anthony Hopkins está na Netflix Divulgação / Film4 / Allstar

Melhor atuação da carreira de Anthony Hopkins está na Netflix

O drama vivido pelo protagonista de “Meu Pai” revela-se uma realidade perturbadora em muitos lares, independentemente de suas configurações. A maneira como esse problema é compreendido — que começa com o doente e inevitavelmente afeta qualquer pessoa ao seu redor — é o que determina se a solução parece viável ou se torna uma ilusão. Florian Zeller já havia explorado essa temática nos palcos do Théâtre Hébertot, em Paris, com Robert Hirsch (1925-2017) e Isabelle Gélinas.

O espetáculo, que conquistou o Prêmio Molière de Melhor Peça em 2014, mostrou seu potencial desde a estreia, em um setembro de 2012, reunindo dois atores em plena maestria de seu ofício e um texto complexo, repleto de nuances. A produção impecável capturava cada detalhe das falas e utilizava uma abundância de recursos que transportavam o espectador para a mente em ruínas do personagem central. A narrativa se desenrola como uma onda que parte do concreto para uma realidade paralela criada pelo protagonista, semelhante a um sonhador que desperta em sobressalto no meio da noite, apenas para adormecer novamente e reencontrar tudo como estava.

Grande parte da excelência do espetáculo se deve ao trabalho de Peter Francis, cuja delicada engenharia coloca pelo apartamento do personagem senil objetos que mudam de cor e forma diante dos olhos do público, transformando a percepção da maldição de Anthony em um exercício de empatia. No cinema, a tecnologia desempenha um papel crucial para que essa mágica funcione de maneira indiscutível.

A edição de Yorgos Lamprinos é fundamental para alcançar as nuances do roteiro de Zeller e Christopher Hampton, mantendo o público atento às mínimas variações de humor e caráter de Anthony, sempre com uma justificativa racional para cada mudança. Lamprinos, premiado pela Los Angeles Film Critics Association, é, como Francis, um dos muitos mecanismos invisíveis que tornam essa história persuasiva e sutil, mas também ordinária em sua essência. Não é uma conquista menor.

Se “Meu Pai” tem um segredo, é a banalidade das histórias de famílias desventuradas. A trilha sonora de Ludovico Einaudi pode dar a impressão de que Anne é uma heroína, mas a personagem de Olivia Colman parece perdida no labirinto de cômodos abarrotados do apartamento onde Anthony, seu pai, vive.

A interpretação minimalista de Colman serve como um digno contraponto à presença dominante de Anthony Hopkins, cujo primeiro nome Zeller e Hampton emprestaram ao personagem. Hopkins se apropria do papel com naturalidade, revelando cada minúcia oculta de Anthony e moldando-o com a sensibilidade que julga adequada. Essa simbiose perfeita rendeu a Hopkins o Oscar de Melhor Ator e ao diretor-roteirista e seu colaborador o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado, permitindo que Hopkins explore as múltiplas facetas de Anthony sem se preocupar com suscetibilidades.

À medida que os conflitos reais emergem e começam a direcionar a narrativa até seu desfecho surpreendente e comovente, fica claro que Zeller tem um propósito definido com “Meu Pai”, na Netflix, e que nada ali é superficialmente divertido. A subtrama do relógio, logo no primeiro ato, exemplifica as circunstâncias de desespero e vergonha que marcam o ritmo do filme. Na sequência final, Zeller utiliza essa metáfora com um lirismo delicado e esteticamente poderoso, explorando a fixação de Anthony por aquele objeto. Na solidão em que se enclausurou e no isolamento perpetuado contra o qual Anne não podia mais lutar, Anthony percebe que também não tem controle sobre o tempo. Seu tempo expirou sem que ele se desse conta.


Filme: Meu Pai
Direção: Florian Zeller
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 10